“Calabar, elogio à traição”, é uma comédia histórica e musical de 1973 que não chegou a ser encenada na época, pois a censura da ditadura militar considerou que a obra era uma ameaça à ordem vigente, ou seja, uma ditadura não suporta livros, teatro ou música, pois considera o povo como crianças que podem ser influenciadas por ideias estranhas. O Putin faz o mesmo na Rússia, pois está censurando a imprensa, redes sociais, rádio e televisão, pois ele não quer que o povo saiba que o país está numa guerra absurda contra um país vizinho, destruindo escolas, hospitais, teatros, atingindo milhares de civis, incluindo mulheres e crianças.
Calabar foi escrita por Ruy Guerra com trilha musical de Chico Buarque. Ruy é um cineasta, dramaturgo e poeta português, nascido em Moçambique e radicado no Brasil. A temática de Calabar é a relatividade da traição. O personagem histórico, Domingos Fernandes Calabar (1600-1635), foi um usineiro que obteve fortuna fazendo contrabando e, também, um hábil militar na época das invasões holandesas no Nordeste. Calabar inicialmente luta ao lado dos portugueses, tendo conseguido várias vitórias nos combates contra os holandeses. Mas num determinado momento, não se sabe se foi por dinheiro, por estar cansado de ser subordinado aos oficiais portugueses ou porque via nos holandeses uma visão mais progressista em relação à colônia e bandeia-se para o lado dos invasores até a sua captura e execução como um traidor do Império português. O comandante holandês, Conde Maurício de Nassau, foi um aristocrata culto e humanista que investia nas artes, na educação e na urbanização das cidades. Sendo liberal, permitia a diversidade religiosa, o que possibilitou plena liberdade aos judeus estabelecidos. A invasão holandesa faz ainda hoje, com que muitos brasileiros pensem que se os holandeses tivessem vencido a guerra, o Brasil seria muito melhor do que sob o domínio português.
Como na história não existe SE, é uma conjectura falsa, transformada em mito, pois se assim fosse, hoje não seriamos um Brasil, mas dois ou três, sendo um Holandês, um português e mesmo um espanhol. A Companhia das Índias Ocidentais que financiou a ocupação de Pernambuco tinha como objetivo principal a exploração colonial tal qual as coroas portuguesa, inglesa ou espanhola. Se esse mito fosse verdadeiro, a antiga Guiana Holandesa seria uma potência, pois tem um território quase cinco vezes maior do que a Holanda.
A questão que se coloca na peça de Ruy Guerra e Chico Buarque, é se ele realmente era um traidor, pois sendo brasileiro, tanto portugueses como holandeses eram seus inimigos pois eram potências coloniais que impunham seu domínio à força, atendendo aos interesses das metrópoles europeias. Na história ainda havia outro detalhe: Portugal estava sob o domínio da Espanha na época. Portanto, além de Portugal e Holanda, a Espanha também reivindicava o domínio da região. Fazendo analogia com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, os russos que lutam contra os invasores, seriam traidores da Rússia por defender o território que adotaram como pátria? Ou mesmo os ucranianos capturados no campo de batalha seriam também traidores da “pátria mãe” Rússia, pois na visão de Putin, a Ucrânia não existe como nação, sendo uma parte da dela. Da mesma forma, Ruy Guerra se lutasse contra Portugal numa guerra de independência de Moçambique, seria um traidor de Portugal?
Enfim, a censura imposta pelos generais, privou os brasileiros de assistirem essa e muitas outras obras de arte ou quando liberavam, mutilavam textos que os censores consideravam impróprios por critérios subjetivos de cada um dos censores. Aliás, é bom lembrar que até um ex-jogador de futebol era censor no Rio de Janeiro. Tempos depois o texto foi liberado para publicação, assim como as canções, mas perdendo-se a contextualização da obra em seu momento histórico. No texto e nas letras das canções percebe-se a forte presença poética de Ruy Guerra, mas o mérito é quase sempre atribuído ao Chico Buarque, autor das belas melodias, como Cala a boca Bárbara, Fado tropical, Tatuagem entre outras.
Num dia desses visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...
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