Em tempos de antanho, a palmatória era um recurso dos mais usados pelos mestres que acreditavam que a atenção, capricho e memória se resolvia com dezenas de pancadas nas palmas das mãos dos jovens estudantes. Meu pai contava que no tempo em que estudava as primeiras letras, os alunos ficavam numa roda e o professor (ou carrasco) ia fazendo a chamada oral sobre a tabuada ou conjugação dos verbos. Aquele que errava uma sequência, estendia as mãos para levar as batidas com a palmatória. O número dependia das vezes em que o aluno errava deixando as pobres mãozinhas vermelhas e inchadas.
E foi pensando nos seus tempos de criança, que meu pai resolveu retomar a antiga prática com seus filhos e fez uma palmatória para usá-la em caso de necessidade, pois acreditava que seria melhor do que bater nas crianças com a cruel cinta de couro ou palmadas no traseiro. Enquanto ele preparava o instrumento de tortura, fiquei observando e ingenuamente até ajudei a segurar a madeira enquanto ele cortava e lixava. Preparada a tal palmatória, fomos avisados de que seria usada em caso de brigas, desobediência, indisciplina ou notas baixas. Na primeira semana ficamos longe da palmatória, pois ninguém teve interesse em ver como a coisa funcionava. Mas as crianças acabam esquecendo dos sermões e lá fomos nós estrear a palmatória depois de uma briga com as crianças vizinhas. Foram dez batidas em cada uma das mãos. As mãos deviam ficar bem estendidas e não podiam ser tiradas sob pena de aumentar a dose do castigo.
As minhas mãos ficaram vermelhas e tão inchadas que no outro dia mal conseguia segurar o lápis na escola. Minha mãe protestou dizendo que era uma crueldade, mas meu pai prosseguiu firme na sua disposição em impor disciplina à moda antiga. Cuidando para evitar qualquer deslize, passamos um bom tempo sem que ele precisasse utilizar o instrumento. Ao mesmo tempo, depois de longa procura, conseguimos descobrir onde ficava escondida a palmatória e tratamos de escondê-la para que ele nunca mais a encontrasse. A única vez em que a procurou fizemos ouvidos de mercadores e ele achou que foi minha mãe quem a jogou fora para proteger as crianças. Ela negou dizendo que ele havia esquecido onde guardou e ficou tudo como dantes.
Anos depois, já livre dos castigos, li um conto do Machado de Assis, chamado a “Escola” em que o autor narra a história de um aluno que recebeu de um colega uma moeda para ensinar-lhe os verbos, pois temia a terrível palmatória no dia da chamada oral. Um colega traiçoeiro e invejoso, que viu a transação, contou ao professor e os dois foram castigados por um motivo que para nossos tempos, parece bastante absurdo.
Em tempos modernos, o fim das palmatórias nas salas de aula não livrou os alunos dos castigos físicos, que continuaram com os beliscões e tapas quando algum infeliz conversava com um colega ou ficava no mundo da lua durante alguma explicação. Eu mesmo tive uma mestra que usava um pesado ponteiro de madeira que espancava as mãos ou a cabeça das crianças e dependendo do caso, tirava um sapato e o arremessava em direção de algum aluno malcomportado.
Hoje com os direitos das crianças contados em prosa e verso, dificilmente um mestre ousaria tocar numa criança, pois corre o risco de perder o emprego ou mesmo ser processado por lesões corporais. Além disso, as modernas técnicas pedagógicas que foram sendo aos poucos introduzidas, sepultaram, talvez para sempre, o castigo físico das salas de aula, bem como passaram a questionar se decorar verbos ou tabuada teria alguma validade para o real aprendizado.
Num dia desses visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...
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