O romance “Agosto” de Rubens Fonseca se desenrola durante o mês de agosto de 1954, tendo como protagonista da ficção, um comissário de polícia rigoroso quanto a aplicação da lei e tendo como pano de fundo a crise política e institucional nos últimos dias do governo Getúlio Vargas. A história gira em torno um comissário de polícia do RJ com seus amores e seus conflitos de consciência na execução do seu trabalho num ambiente policial corrupto, com seus colegas envolvidos com propinas de bicheiros e outras maracutaias.
O autor vai narrando em paralelo, o drama histórico vivido por Getúlio Vargas e seus correligionários. Getúlio é atacado por todos os lados, tendo o jornalista Carlos Lacerda como seu arqui-inimigo. No ambiente político, a oposição ferrenha da UDN, um partido conservador de ultradireita que defende de forma explícita a necessidade da deposição do presidente por um golpe militar, acusando-o de tramar um golpe. Os militares, sempre presentes no cenário político desde a Proclamação da República, apoia esse movimento de forma discreta até o momento em que um atentado contra Lacerda, acaba fazendo como vítima o Major Vaz, que fazia segurança do jornalista. A partir daí, a Aeronáutica começa a pressionar abertamente pela renúncia de Getúlio, acusando-o de ser o mandante do atentado através de sua guarda pessoal.
A situação de Getúlio era irreversível, pois de fato o chefe de sua segurança pessoal, o tenente Gregório Fortunato, foi quem contratou o matador para executar o serviço à revelia do presidente, pois esse jamais teria ordenado tal ação, porque tinha consciência de que um atentado contra Lacerda cairia no seu colo de forma explosiva. Diante dos fatos historicamente comprovados, Getúlio tinha duas saídas: a renúncia ou a morte. Como sempre foi um homem poderoso e orgulhoso, não queria ficar na história como um covarde e assim, preferiu sair morto do palácio do Catete. Na época houve muita discussão sobre a sua morte e foi alimentada a narrativa de que foi assassinado, mas as suas condições políticas só poderiam levar a esse desfecho. Os seus opositores sabiam que mata-lo o transformaria em mártir, coisa que os golpistas de plantão também não queriam. Assim, o Getúlio deu cabo da vida por uma atitude calculada e se transformou mesmo em um mártir, resgatando o apoio popular que já estava perdendo pela campanha agressiva de Lacerda e da UDN, fato o que adiou o golpe militar por mais uma década. Além disso, deu sobrevida ao seu partido político, o PTB.
É muito interessante que a oposição ao governo Vargas, mesmo em minoria, conseguia fazer muito barulho, mobilizando jornais e dificultando a ações da maioria no congresso, diferentemente do que ocorre hoje, com a oposição praticamente inerte diante das ameaças golpistas de Bolsonaro apoiado por militares e setores da sociedade civil. A principal acusação ao Getúlio era que ele estava planejando um novo golpe para prolongar o seu mandato prestes a vencer. Pelas informações históricas, ele não tinha condições políticas e tampouco militares para sustentar uma ruptura institucional. O máximo que ele poderia almejar seria mesmo eleger o seu sucessor para protegê-lo de eventuais investidas da UDN.
A lição que o romance de Rubens Fonseca deixa é que ainda existem setores da sociedade civil que atuam como vivandeiras estimulando os militares para mais uma aventura golpista, pois não acreditam na democracia e nas liberdades por ela garantida. Esses são dominados pelo sentimento “medo a liberdade”, termo cunhado por Eric Fromm sobre os nazistas e seus apoiadores.
Os opositores de Vargas almejavam um governo forte, não limitado pelo judiciário ou congresso, tal qual os atuais apoiadores de Bolsonaro. O mais interessante é que em caso de uma ruptura institucional, o congresso, que hoje faz ouvidos de mercador para as ameaças do presidente, seria o segundo a ser fechado, sendo o primeiro o STF. E a partir do momento em que uma ditadura for instalada, nem mesmo Bolsonaro terá o seu poder garantido, pois uma vez posicionados como protagonistas políticos, os militares não se subordinarão a um tenente que foi considerado pelo general Geisel, um mau militar e um gestor público incompetente e irresponsável.
O romance de Rubens Fonseca é uma leitura interessante para entender como funciona a política no Brasil e também o seu intrincado sistema burocrático que abre espaços para a corrupção que parece que não tem fim.
Num dia desses visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...
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