MEL, DOCE MEL
Quem não gosta de mel? Se não
gosta deve ser diabético ou não tem glândulas gustativas. Eu gosto de mel e
adoro saborear os favos. Meu falecido amigo apicultor e poeta Paulo Duarte,
além de me fornecer mel trazia também os favos cortados em pequenos cubos. Era
supimpa. Depois de ter passado alguns meses nos porões da ditadura, onde foi
barbaramente torturado, resolveu usar um sitio da família para se dedicar às
abelhas. Ficava feliz em observar o trabalho dos bichinhos fabricando mel,
própolis e cera, com sua rígida divisão do trabalho social. Confessou-me que
chegava a sonhar com a sociedade humana organizada como as abelhas. Eu sempre
repetia: muita organização é totalitarismo meu amigo. Ele ria e tentava me
convencer do contrário.
Naqueles tempos em que frequentava
nossa casa, surgiu do nada no jardim, uma colmeia de jatai. O Paulo tratou de
estudar uma forma de domesticá-las, já que as abelhas nacionais são, em geral,
pouco laboriosas e nada disciplinadas como as africanas e europeias. Ele
construiu uma casinha estruturada de forma que fosse possível retirar o mel de
jataí, que dizem ter propriedades medicinais. Não deu certo. A colmeia ficou totalmente
bagunçada, pois elas desconstruíram toda a engenharia que o Paulo elaborou para
domesticá-las, fazendo entradas e saídas para todos os lados. Mas tempos depois
o próprio Paulo me alertou que a jataí, apesar do delicioso mel, visitava fezes
de animais o que tornava o mel um perigoso transmissor de doenças. Nunca
consumimos o mel de Jataí, mas elas ficaram por um bom tempo em nosso quintal
aproveitando as nossas flores e as da vizinhança até que sua inimiga natural,
as formigas, as descobriram. O enxame partiu para outra freguesia ou foi
totalmente devorado pelas também organizadas formigas.
O Paulo foi atropelado logo
depois que saiu da prisão, ficando paraplégico. Sua energia e resiliência eram
formidáveis. Circulava pela cidade e o sítio de carro com uma cadeira de rodas
no porta-malas e se virava sozinho, sem precisar de ajuda nos seus
deslocamentos. No fim, com a mobilidade
reduzida decidiu abandonar a apicultura se dedicando a outras atividades até a
sua morte prematura.
Outro apicultor que conheci foi o
Nelson Borghi, que tinha a alma caipira e uma criação de abelhas em um sítio em
Camanducaia conseguindo uma boa produção, que ajudava no seu orçamento de
aposentado. O Nelson tinha uma teoria estranha. Ele explicava que as abelhas
nativas produzem pouco porque no Brasil temos floradas o ano todo e por esta
razão não se dão ao trabalho de estocar mel e pólen, já que algumas plantas
desabrocham suas flores em plena estação do frio. Ele usava isso para explicar
que os brasileiros do interior são indolentes como as abelhas nacionais pela
mesma razão. “Pra que trabaiá se tem cumida o ano inteiro?” E cantarolava a
música de “Papo pro ar” do Joubert de Carvalho “Se tenho na feira, feijão,
rapadura, pra que trabaiá?” E assim, as nativas produzem para o gasto e nada de
acumular para o porvir.
Por outro lado as abelhas europeias
que aqui se estabeleceram por conta dos jesuítas no século XVIII, sofreram um
revés com a chegada das africanas, muito agressivas e com maior produtividade.
Um pesquisador da USP trouxe algumas colmeias da África para pesquisa e por
acidente escaparam algumas rainhas e se espalharam pelo Brasil afora. Depois de
alguns ataques fatais elas foram se acalmando ao se miscigenarem com as
europeias, reduzindo a agressividade. Com os desmatamentos e a destruição do
nosso ecossistema, as abelhas nacionais como Arapuá, Jataí, tiúba, jandaíra,
uruçu, iraí, mirim-preguiça, mandaçaia, mirim-guaçu entre outras, sobre cujos
nomes o meu amigo Nhô Dedo Thenório de Piedade é capaz de dissertar horas a fio
com a sua sabedoria sobre a natureza, estão perdendo a competição. Aliás, o
velho Thenório fez uma providencial correção: É a Arapuá, abelha nativa sem
ferrão, que usa as fezes para construir sua colmeia, corrigindo uma informação errônea
do Paulo Duarte. De qualquer forma as abelhas nativas estão desparecendo e as
mestiças estão se tornando hegemônicas em nossas paragens, adoçando os nossos
lábios e corações.
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