Pular para o conteúdo principal

DOCE MEL II

Ao escrever a crônica anterior sobre amigos apicultores e méis não me dei conta de que um dos endereçados de meus escritos, o Nhô Dédo Thenório, conhece muito mais do que eu poderia imaginar sobre as melipônias nativas. O nhô que tomei a liberdade de usar antes do seu nome tem uma razão linguística e cultural, pois em nosso meio caipira é utilizado como tratamento de pessoas que gozam de considerável respeito nas comunidades rurais e, via de regra, são portadores de singulares sabedorias.

Foi aí que ele me alertou que a jataí é, entre as abelhas nativas, uma das mais higiênicas, o que faz da afirmação do meu amigo apicultor, infelizmente já falecido, um palpite infeliz, como diria o poeta popular Noel Rosa. E para completar, citando consagrado pesquisador sobre o tema, explicou que a arapuá, sim, utiliza fezes de animais para ajudar na construção de suas colmeias. Como o Paulo era um naturalista autodidata e pesquisador por crença no conhecimento, com certeza ele se debruçaria sobre o tema com mais profundidade.

E na missiva que recebi do meu amigo Nhô Dédo, fiquei, a saber, que o velho e querido Constantino Dozzi Tezza, homem da terra, nascido em Butiá, distrito de Descalvado, era um amante das abelhas nativas, tendo cultivado um especial carinho pela jataí na fazenda da família. Com o Constantino, pessoa saudosa, com quem tive o especial prazer de saborear bons momentos de prosa, nunca tocou no assunto comigo, possivelmente por falta de tempo e, também, pela quase raridade dos nossos encontros.  E por herança seu filho Sinésio tem, também, a sua colmeia, que cultiva com especial carinho. E eis que o Nhô Dédo me confidenciou que tem a sua colmeia de jataí, presente do seu falecido sogro, que cultiva com especial carinho como uma relíquia familiar. Bom, pelo que se sabe, o Ibama não proíbe que se tenha uma colmeia no quintal, já que são as nossas nativas abelhas que escolhem os locais onde constroem sua fabriqueta de mel.

Outra informação que me deixou deveras constrangido, foi o desconhecimento da existência de uma canção que o Dédo fez sobre as nossas abelhas em parceria com os prezados amigos Sinésio e o Carlinhos Kalunga, violonista e compositor. Nessa canção o nobre Nhô Dédo esbanja seus conhecimentos sobre a vida natural e as abelhas nativas sem ferrão, emolduradas pelos acordes saborosos do mestre Carlinhos.

E com mais essa, faço justiça às jataís, abelhas mansas e carinhosas que se enrolavam nos cabelos de minha filha nos bons e saudosos anos de sua infância, resgatando o poder medicinal do seu mel, como também do seu papel no fortalecimento da nossa cultura que tem raízes nos povos nobres indígenas que aqui habitaram por milênios.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

JOSÉ DE ARRUDA PENTEADO, UM EDUCADOR

Num dia desses  visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...

A ROCA DE FIAR

Sempre que visitava antiquários, gostava de ficar observando as antigas rocas de fiar e imaginando que uma delas poderia ter sido de uma das minhas bisavós e até fiquei tentado a comprar uma para deixá-la como relíquia lá em casa. Por sorte, uma amiga de longa data, a Luci, ligou um dia desses avisando que tinha um presente para nós, que ficaria muito bem em nossa casa. Para minha surpresa, era uma roca de fiar, muito antiga, que ela ganhou de presente. Seu patrão se desfez de uma fazenda e ofereceu a ela, entre outros objetos, uma roca, que ela gentilmente nos presenteou. Hoje uma centenária roca de fiar está presente em nossa casa e, além de servir como objeto de decoração, é a alegria do Tom, meu neto, que fica encantado ao girar a roda da roca. Para ele é um divertimento quando vem nos visitar e passa algumas horas em nossa companhia. Ele grita e ri de modo a ouvir-se de longe, como se a roca fosse a máquina do mundo. Recordo-me, quando criança, que minha mãe contava história...

BARRA DE SÃO JOÃO

Casa  onde Pancetti morou Em Barra de São João acontece de tudo e não acontece nada. As praias são de tombo e as ondas quebram violentamente na praia. Quase ninguém as freqüenta a não ser algum turista desavisado, preferencialmente os paulistas. Mas o lugarejo é tranqüilo, com ruazinhas arborizadas com velhas jaqueiras e com muitas primaveras nos jardins, dando uma sensação gostosa de paz e tranqüilidade há muito perdidas nas grandes metrópoles. Foi lá que nasceu o poeta Casimiro de Abreu e onde foi sepultado conforme seu último desejo. O seu túmulo está no cemitério da igreja, mas dizem que o corpo não está lá e que foi “roubado” na calada de uma das antigas noites do século dezenove. A casa do poeta, restaurada, fica às margens do Rio São João é hoje um museu onde um crânio humano está exposto e alguns afirmam que é do poeta dos “Meus Oito Anos”. Olhei severamente para o crânio e questionei como Shakespeare em Hamlet: “To be or not to be”, mas fiquei sem resposta. O cas...