FEITO EM CASA
Tornou-se um costume lá em casa
criar um porquinho nos fundos do quintal, apesar das leis municipais proibirem
a prática em área urbana. Mas meu pai fazia ouvidos de mercador mantendo um
chiqueirinho com uma boa drenagem de água para criar um leitão à base de milho.
A grande preocupação era manter o local sempre limpo e desinfetado para que
nenhum vizinho reclamasse e acabasse por gerar uma multa e um prazo de 48 horas
para se desfazer do bichinho.
Os porquinhos
chegavam bonitinhos, engraçadinhos, mas acabavam crescendo e muito, tornando-se
enormes, chegando a pesar mais de cem quilos. Nos primeiros dias ficava solto
no quintal e nos divertíamos correndo atrás do animal. Mas logo ele era
confinado e nosso trabalho consistia em limpar o local e abastecer o cocho com
água e alimento.
Mas sempre
chegava a hora triste, quando bicho, já enorme e arrastando a barriga no chão
seria sacrificado para o deleite dos apreciadores de carne suína. Um dia antes
meu pai combinava com um ou dois amigos para empreender a tarefa, que, diga-se
de passagem, ele bem que gostava, pois se sentia como se estivesse na fazenda. Os preparativos envolviam a afiação das facas
e a preparação da lenha para o fogo. O porco parecia perceber que havia chegado
a sua hora e começava a gritar bem antes do momento fatal. Isso me deixava
angustiado e, não raro, tive crises psicossomáticas como febre alta e vômito.
Ficava de longe e preferia não olhar, mas sabia exatamente o que aconteceria.
Com um ou dois amigos segurando o porco, meu pai enfiava um longo punhal no
coração do infeliz e em poucos minutos já estava morto. A segunda parte
consistia em lavá-lo com água fervente e raspar a pelagem antes de abrir a carcaça.
Do porco se
aproveitava tudo, menos, é claro, o grunhido. As vísceras como fígado, coração,
rins etc eram iguarias disputadas. A pele era usada para fazer torresmo. Os
pernis eram defumados para fazer presunto.
Os intestinos eram limpos e utilizados para fazer linguiça e chouriço. O
restante da carne cortada em postas que eram fritas na própria banha do porco e
assim conservadas por meses, uma antiga técnica de conservação de alimentos
trazida pelos europeus antes das geladeiras.
Para mim tudo
aquilo era um horror só, pois detestava carne suína e era obrigado a comê-la no
almoço e no jantar e não via a hora de acabar aquela lambança para voltar ao
franguinho ou a carne bovina. Em toda essa história, a única coisa que me dava
prazer era o pão de torresmo, feito na padaria do bairro, sob encomenda, com a
participação post-mortem dos nossos porquinhos. Com manteiga no café da manhã,
era uma iguaria.
Os vizinhos e
os amigos mais chegados eram presenteados com uma porção de carne, além de alguns
passarem em nossa casa para fazer uma boquinha com o churrasquinho preparado
pelo meu pai e seus amigos. O meu pai não bebia, mas sempre havia a cerveja
gelada trazida pelos convidados.
Com o tempo essa
tradição do interior, levada para a cidade por meus pais acabou. O custo do
milho e algumas reclamações de vizinhos mal humorados e a fiscalização da
prefeitura desanimaram o hábito; assim, a carne suína, a preferida do meu pai,
passou a ser comprada no açougue ou no supermercado, encerrando mais um dos
hábitos caipiras que os migrantes do interior traziam para a cidade grande.
Comentários
Postar um comentário