Argemiro, Miro ou Mirão, era nosso vizinho. Filho mais velho do seu Afonso, que era barbeiro nas horas vagas e aparava as madeixas dos vizinhos e garotada. Miro gostava de se sentar sobre o muro de sua casa sem camisa exibindo seu corpo atleta com uma águia tatuada no peito. Era uma águia simples, pois as técnicas de tatuagem ainda estavam bem distantes das atuais.
Miro era também beque central do Estrela F.C de Vila Marlene, o glorioso time do bairro com seu garboso uniforme vermelho, que jogava num campo de terra batida que deixava os jogadores com as pernas e braços ralados após os jogos. O Miro era respeitado e jogava duro para segurar os ataques adversários, normalmente um time de outro bairro que vinha disputar uma cobiçada taça.
Aos domingos e feriados eu não perdia um jogo do Estrela e nas vitórias ou derrotas eu acompanhava o escrete caminhando com as camisas nas mãos em direção à sede que ficava ao lado do bar do Serafim, um espanhol apaixonado por futebol. A sede era um barracão simples, onde ficavam os troféus ganhos pelo time numa simples prateleira madeira.
O Miro paquerava minha irmã mais velha, e talvez por isso me levou algumas vezes ao Pacaembu para assistir os jogos do Corinthians. Era uma forma de angariar simpatia da família. Na verdade, o Miro não precisava disso, pois meus pais gostavam muito dele. Numa das idas ao Pacaembu, fomos de ônibus até o Ipiranga onde pegamos uma carona em um caminhão de um amigo dele. No meio do caminho o caminhão quebrou e chegamos no estádio quando o jogo já havia começado. Com isso, tivemos que ficar no lado da torcida do Palmeiras e sendo dois corintianos, não demos um pio durante o jogo.
Mas o namoro do Miro com minha irmã não deu certo e ele acabou se casando com uma outra vizinha. Alguns anos depois soube que ele teve um derrame cerebral e ficou longo tempo desmemoriado. Parece que ele melhorou do derrame e recuperou a memória, mas por outras razões faleceu tempos depois. Fiquei triste com a notícia, pois gostava do velho Mirão e foi graças a ele que vi o Pelé em campo dando um chocolate no meu time. Naquela época eu até cheguei a pensar em torcer para o Santos, a esquadra invencível. Mas por respeito ao Mirão, um corintiano convicto, deixei a ideia de lado e continuei no timão.
Você conhece alguma Flora? Eu conheci uma, mas não tenho boas lembranças. Ela morava no interior de São Paulo, na pequena Lavínia, minha terra natal. Era a costureira da minha prima e madrinha. Eu ainda era muito criança, mas ainda tenho uma visão clara de sua casa isolada, que ficava no final de uma estrada de terra, ao lado de um velho jequitibá. Era uma construção quadrada, pintada de amarelo e com muitas janelas. Pela minha memória, que pode ser falha, não me lembro de flores em seu quintal. Será que a Dona Flora não gostava de flores? Fui algumas vezes lá com a minha prima, para fazer algumas roupas, numa época em que passei alguns meses em sua companhia. Dona Flora era uma mulher madura e muito séria, que me espetava com o alfinete sempre que fazia a prova das roupas que costurava para mim. Foram poucas vezes, mas o suficiente para deixar uma lembrança amarga da costureira e do seu nome. Mas hoje Flora me lembra a primavera que está chegando e esbanjando cores apesar da chuva
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