Esperança, um estranho nome para uma filha de imigrantes japoneses que aportaram na velha Mooca no começo do século passado, um bairro que até os anos 1940 era um típico reduto operário da Paulicéia. Quando menina ela foi estudar num antigo externato na Rua dos Trilhos, ainda no tempo em que havia trilhos na rua. A escola pertencia a três irmãs solteiras que vieram de Campinas. Lá foi alfabetizada e concluiu o primário. Como era muito estudiosa e aplicada se destacou entre as outras crianças e depois de formada ajudava as professoras com os novos alunos.
Com a morte prematura dos pais, foi morar com as antigas professoras e ajudava em tudo, vendendo materiais escolares e dando aulas básicas de inglês que aprendeu com uma professora particular e outras tarefas. Mas Esperança ia além, pois como o bairro era carente de serviços de saúde, era ela quem socorria a população aplicando injeções até altas horas da noite.
As professoras foram envelhecendo, vieram mais escolas públicas, o bairro cresceu e o Externato perdeu sua finalidade diante da nova realidade e assim, nos anos 1960, fechou as portas, encerrando um longo ciclo de ensino no bairro, habitado em sua maioria por imigrantes italianos, mas também tinha espanhóis, portugueses e por último, os japoneses.
A escola esteve presente em vários eventos históricos da Paulicéia, como as Revoluções de 1922 e a de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Em 1922, a escola foi tomada por revolucionários, tornando-se um quartel, onde muitos anos depois foram encontradas granadas e balas de fuzil. Em 1932 a escola se tornou uma confecção de uniformes para atender a revolta paulista contra o governo Vargas e assim, professoras e voluntárias levaram suas máquinas de costura para suprir o exército bandeirante. Esperança esteve sempre lá e seu nome parecia ser o símbolo de novos tempos que poderiam vir.
As antigas professoras foram partindo, uma após outra e Esperança permaneceu no sobrado ao lado da antiga escola até quando a última delas se foi. Sepultada a derradeira das irmãs e protetoras, vieram os herdeiros que não sabiam o que fazer com a última, que por ironia se chamava Esperança. Felizmente, ela foi acolhida por uma família amiga, onde passou seus últimos tempos, levando com ela velhas memórias do antigo bairro paulistano.
E assim, seguindo o velho ditado popular, a esperança foi a última que morreu depois de mais de 90 anos de vida.
Você conhece alguma Flora? Eu conheci uma, mas não tenho boas lembranças. Ela morava no interior de São Paulo, na pequena Lavínia, minha terra natal. Era a costureira da minha prima e madrinha. Eu ainda era muito criança, mas ainda tenho uma visão clara de sua casa isolada, que ficava no final de uma estrada de terra, ao lado de um velho jequitibá. Era uma construção quadrada, pintada de amarelo e com muitas janelas. Pela minha memória, que pode ser falha, não me lembro de flores em seu quintal. Será que a Dona Flora não gostava de flores? Fui algumas vezes lá com a minha prima, para fazer algumas roupas, numa época em que passei alguns meses em sua companhia. Dona Flora era uma mulher madura e muito séria, que me espetava com o alfinete sempre que fazia a prova das roupas que costurava para mim. Foram poucas vezes, mas o suficiente para deixar uma lembrança amarga da costureira e do seu nome. Mas hoje Flora me lembra a primavera que está chegando e esbanjando cores apesar da chuva
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