Resolvi rever o filme de Mike Mills de 2017. A história se passa nos anos 1970, com uma mulher liberal, madura, divorciada, tabagista e com um filho adolescente. Uma jovem fotografa punk aluga um dos quartos da casa e o filho tem uma amiga de infância que sorrateiramente dorme no quarto dele, mas sem nenhum envolvimento sexual, apenas para conversar. É uma história comum, sem grandes sobressaltos. As emoções que acontecem, são as mesmas do cotidiano das pessoas como a gente, um carro que pega fogo sozinho, as turbulências de um adolescente com os seus hormônios, os problemas das amigas, as baladas, as doenças, enfim...
A trilha sonora, com “As time goes by”, provoca em mim um pouco de saudade. Vem aquela melancolia pela falta dos pais, dos irmãos, de amigos... Casablanca é um filme tão velho e foi realizado bem antes do meu nascimento, mas foi assistindo tantas e tantas vezes que parece que eu estava presente no dia do lançamento ou que vivia o momento de guerra. A relação do adolescente com a mãe, no filme, fatalmente leva a gente a lembrar delas, principalmente se já não estão mais presentes. Uma cena que me sensibilizou foi quando ele a pede para ensiná-lo a dançar. O menino todo desengonçado, vai sendo guiado pela mãe ao som de uma canção qualquer. Vendo isso, percorro os labirintos da memória e recordo que nunca aprendi dançar, ou melhor, nunca tive coragem de dançar com as meninas do bairro, mesmo lendo um livrinho “Como aprender a dançar sem sair de casa”. Ia aos bailinhos do bairro e ficava só admirando os casais deslizando ao som dos discos da orquestra do Ray Conniff, que eram infalíveis naqueles tempos. De vez em quando um rock, um twist ou samba canção.
Meus pais eram pés de valsa e cheguei a vê-los dançarem quando algum vizinho recebia os amigos para um arrasta pé. Mas com a chegada da televisão, as famílias se recolheram mais e mais e nunca mais teve dança de adultos no bairro. Quantas vezes pensei em pedir a minha mãe que me ensinasse a dançar, mas nunca tive coragem. Tenho certeza de que ela me ensinaria com o maior prazer, mas sentia nisso um certo desrespeito ou uma intimidade não desejável entre mãe e filho. Bobagem de um adolescente suburbano, que tinha uma mãe que fumava, que dirigia seu próprio carro e tinha opiniões políticas. A cena do filme em que ela ensina o filho a dançar, me deu vontade de voltar no tempo e ter aprendido boleros, valsas, sambas-canção, baladas ou até um tango. Como teria sido bom ter aspirado o perfume barato das meninas do bairro deslizando pelos salões! Al Pacino em “Perfume de Mulher”, tem uma cena inesquecível quando dança um tango ante os olhares atônitos, diante das habilidades de dançarino de um cego.
Mas voltemos ao filme Mulheres do Século XX, com a fabulosa Annette Bening, uma atriz madura, mas cheia de vida interior, esbanjando com charme a beleza dos anos de madureza. O filme não provoca sobressaltos ou ansiedade. As pessoas se relacionam, brigam, se amam, se divertem, discutem e morrem. As questões feministas afloram na mesa de jantar como o momento em que uma das personagens ousa falar abertamente sobre sua menstruação, um assunto proibido pela na presença de homens nos anos 1970. Quem não se lembra da propaganda do Modess, um absorvente feminino? Quando menino eu olhava as revistas das minhas irmãs e não entendia nada sobre o significado de “Aqueles dias”. Um segredo imperscrutável. Hoje a discussão sobre a pobreza menstrual ganhou as ruas e as redes sociais, forçando o governo avesso a esses problemas, aprovar o fornecimento para as jovens carentes.
Enfim, o mundo mudou e não sei se foi para pior ou para melhor. As mulheres também mudaram e muito. São mais ousadas, perderam o medo de dizer não. Mas a violência contra elas só aumentou, pois os machistas feminicidas não suportam serem contrariados.
Num dia desses visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...
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