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VELHAS CARTAS E POSTAIS

Ao acaso encontrei uma pasta com algumas cartas bem antigas. E para comemorar o achado resolvi relê-las e comentá-las.
 A primeira é de um amigo espanhol que não vejo há séculos. Escrevendo de Madrid sobre um amigo nosso que estava passando por lá em 1982 e que precisava de umas dicas sobre como sobreviver na cidade. Eles acabaram não se encontrando. Ele menciona que recebeu uma carta da Celia avisando sobre esse amigo, que era nada mais nada menos do que o Élcio Thenorio. A carta que ele recebeu foi postada na Áustria e aí ele não entendeu nada mesmo. Acontece que uma amiga nossa em viagem para a Áustria acabou postando a carta por lá.
Outra carta, de outro velho amigo, Geraldo Magela, matemático e mineiro dos bons, nos escreveu deliciosas missivas durante sua estadia na Alemanha, na cidade de Stuttgart, contando particularidades sobre o povo alemão, que nos consideravam como índios de arco e flecha. Muitos lhe perguntavam como era viver nas selvas brasileiras, se viajavam de barco ou a cavalo. Não acreditavam que já tínhamos estradas, aeroportos e estações rodoviárias em todos os cantos. Pode parecer estranho, mas era 1982. Ao escrever mineiro dos bons não tem nenhum preconceito embutido e se trata apenas de força de expressão. De toda forma, acredito que todos os mineiros são bons até que provem o contrário, conforme dizia minha mãe, mineira de Buenópolis.
Outra carta, aliás, várias da querida amiga Marlita Brandner Vaillat que voltou para Áustria, fixando residência em Bundesstrasse. Uma pessoa docílima. Foi a primeira professora de música de nossa filha e com quem a Celia aprendeu muita coisa sobre educação para crianças. Ela parou de escrever e nós também. Soubemos que teve problemas com sua filha adolescente por lá. Acho que precisamos contatá-la para termos mais notícias. Lembro-me que a ajudamos na mudança, empacotando suas coisas para despachar para a terra de Strauss.
A seguir algumas cartas da nossa querida amiga Júnia, que saiu de Belo Horizonte para o mundo, passando algum tempo em São Bernardo antes de atravessar o Atlântico para retornar apenas nas férias. Depois de um romance frustrado com um amigo nosso, conheceu um dinamarquês com cara de Hamlet que roubou seu coração e a levou para longe. Passou uns tempos em Portugal antes de se estabelecer em Copenhagen, onde trabalha como médica. Deixou em nossa casa um violão Gianini com o qual tocava e cantava o Samba de Uma Nota Só. Filha de um comunista com uma professora de francês ela foi estudar num colégio judeu, pois o pai queria que ela estudasse várias línguas, inclusive o russo. Isso a ajudou a aprender com facilidade o idioma de sua pátria adotiva.  Sempre que ela vem para o Brasil visitar sua família nos encontramos, preferencialmente na livraria Cultura, antes do embarque para a Europa.
Mas não são apenas cartas internacionais. A maior coleção é de cartas escritas por um velho amigo dos tempos de faculdade, o Moacir Pinto e sua companheira Elvira, que escreviam de Fortaleza quase todos os meses durante o tempo em que estudavam na universidade federal de lá. Tiveram uma filha durante o tempo que lá moraram, a Sulamita.  Uma das cartas menciona a gravidez e o desejo de que ela nascesse em Fortaleza. O nome foi uma homenagem a uma amiga da faculdade. A Sulamita infelizmente desapareceu há sete anos e nunca mais foi encontrada. O casal convive com a dor de um luto não realizado.
Além de cartas encontrei na pasta uns cartões, entre eles um da amiga querida Regina Célia que morou uns tempos em Albuquerque, nos EUA. Uma particularidade é que ela pediu nesse cartão, uma cópia da partitura da música Beatriz do Edu Lobo e Chico.
E por fim, duas belíssimas cartas do Edélcio Thenório, uma delas me dando uma bronca por ter dito que era muito cansativo ir até Piedade. Algumas coisas a gente não pode dizer sem suas consequências. O que eu quis dizer é que viajar 120 quilômetros e voltar no dia seguinte, enfrentando um trânsito descomunal na entrada de São Paulo não era brincadeira. Mas por mais cansativa que fosse a viagem, eram momentos deliciosos passados com o casal Dedo, Ângela e suas crianças, Iberê, Cauê e Iara. Muita música, histórias e mais histórias de reis e daqueles que não são reis, como diria o Alberto Caieiro, heterônimo de um “desconhecido” poeta português. O Edélcio abandonou as cartas escritas e passou a gravá-las nas velhas e boas fitas Cassette, infelizmente superadas pelos e-mails que não as substituíram a contento.
Além das cartas encontrei algumas velhas fotografias. As mais antigas são de um tio materno, que as mandou do Rio de Janeiro onde morava, uma coleção de fotografias-postais da cidade. Infelizmente fiquei com apenas quatro delas e me lembro de que eram pelo menos dez. As outras desapareceram. Há também uma foto desse tio de 1933, com uma dedicatória aos meus avós enviada da Argentina onde ele morou algum tempo.  Isso foi logo depois da Revolução de 1930, quando ele resolveu abandonar seu emprego de Guarda-Livros e sair pelo mundo à toa, livre como um pássaro. Nunca mais tivemos notícias dele depois de uma rápida passagem por São Caetano nos anos 1950.


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