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CRISTÃO: SER OU NÃO SER?

Quem já leu “A Servidão Humana” de Somerset Maughan, há de se lembrar do personagem principal, Phillip Carey, e as suas intermináveis discussões com Deus. Órfão de pai e mãe, ainda menino, é criado pelo tio paterno, um rígido clérigo conservador na Inglaterra vitoriana do final do século XIX, Phillip começa a ler tudo que cai em suas mãos, o que o leva a grandes dúvidas metafísicas. Depois de um breve período na Alemanha após concluir o ensino médio, onde descobre o teatro de Ibsen e a filosofia alemã, desiste da carreira eclesiástica e resolve ser pintor em Paris, mas já com sérias dúvidas sobre sua religiosidade, o que conflita com toda a sua formação em colégios confessionais. Para Phillip, o que havia mesmo restado da educação religiosa, era a moral cristã, mas não mais o cristianismo na sua essência. A releitura do romance, quase autobiográfico de Somerset, autor de outro grande romance, “O fio da navalha!”, me fez lembrar das ideias religiosas do meu pai. Ele era um livre atirador, pois nunca se prendeu a nenhuma fé religiosa, mas se considerava cristão e tinha fé em Deus do seu jeito, ainda que às vezes, pudesse sentir alguma dúvida. Acreditava que após a morte, acabava-se tudo. Céu ou inferno era para ele criação das igrejas, pois ninguém nunca havia retornado à vida após dar o último suspiro. Essa sua maneira de pensar acabou influenciando a religiosidade dos filhos, mesmo ele sendo casado com uma católica praticante, mas apenas no Registro Civil. Mesmo assim, meu pai manteve com o padre de nossa paróquia em São Caetano, constantes diálogos sobre essa e outras questões, mesmo sem frequentar a igreja. O Padre Ernesto, diga-se de passagem, sugeria ser um tanto cético quanto a alguns dogmas católicos, mas mantinha a postura, como convinha a um sacerdote. Meu pai fazia concessões em batizados e casamentos, sempre com uma postura respeitosa. Recebia em casa pregadores de diversas orientações religiosas e ouvia atentamente as tentativas de convencê-lo a aceitar algum credo, mas sempre questionava os dogmas e nunca se comprometia. Quando faleceu, o velho padre foi encomendar o seu corpo conforme havia prometido ao amigo infiel, mesmo sabendo da inutilidade do ritual. E foi numa conversa com uma colega católica sobre a morte repentina de um amigo comum, em que ela lamentava a sua passagem e se sentia triste por ele, um notável pecador. Eu argumentei que para ele havia acabado tudo e a tristeza era mesmo para mulher, filhos e amigos. Ela ficou furiosa e perguntou se eu não era cristão. “Claro que sou” respondi prontamente. Ao que ela retrucou: “Um cristão precisa acreditar na ressurreição e na vida eterna”. Depois dessa conversa, refleti que eu não era verdadeiramente um cristão e tampouco meu pai. Seríamos hereges e acreditávamos apenas em elementos da moral judaico-cristã. Como as três religiões monoteístas: Judaísmo, cristianismo e islamismo têm como pressuposto a imortalidade da alma com as suas variações, não nos encaixávamos em nenhuma delas. Dostoievski em “Os irmãos Karamazov” também discute o tema em longos diálogos entre os irmãos, com a afirmação constante de que “sem Deus tudo seria permitido”. Philip Carey, em Servidão Humana, também acreditava que a religião estabelece limites morais e éticos para as pessoas e com isso é possível viver em sociedade. Talvez a grande maioria dos católicos brasileiros vive esse drama metafísico sobre a imortalidade da alma. Ser ou não ser, eis a questão, diz “Hamlet, o príncipe da Dinamarca”, no auge de sua loucura. Shakespeare no século XVI já tinha também as suas dúvidas metafísicas e as colocava na boca dos seus personagens.

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