NÓS E OS
RUSSOS
O Garrincha, com o seu jeito
simplório, respondeu ao técnico Vicente Feola da seleção brasileira de 1958
sobre as táticas que queria utilizar contra os times adversários: “Mas você já
combinou com os russos?”. Essa frase tem servido para boas e bem humoradas
respostas. Ele se foi e sua frase ficou
na história. Para ele os russos eram quase todos os estrangeiros,
principalmente europeus, englobando suecos, suíços, ingleses etc.
Quando criança em São Caetano do
Sul tínhamos vizinhos russos. Eram simpáticos e me lembro bem da dona Amélia
que frequentava nossa casa. O casal era espírita e minha mãe, às vezes,
frequentava as sessões de orações na casa deles, mais para agradar a amiga,
pois era católica convicta. O marido,
seu Dimitri, contava histórias sobre a Rússia, principalmente do Stalin e seu
regime de terror. Sobre o comunismo,
outra vizinha, dona Maria, uma Checa, casada com um homem negro, também tinha
suas narrativas de como fugiram da invasão soviética no seu país. Eram sempre
histórias tristes, com relatos de violência, fome, maus tratos e pessoas
generosas que ajudavam os refugiados a escaparem. Havia também duas famílias de
poloneses que toda vizinhança chamava de russos, seguindo a lógica do
Garrincha, incluindo velho um judeu que jogava praga e pedras nos moleques
quando invadiam o seu quintal para surrupiar amoras.
Os russos entraram no imaginário
brasileiro depois da Revolução de Outubro de 1917, liderada por Lênin. Pela
primeira vez na história as classes subalternas estariam no poder, pelo menos
simbolicamente, pois quem estava mesmo no controle era uma classe média
intelectualizada e revolucionária que assumiu o governo do país, seguindo
alguns princípios do marxismo. Mas Lênin
não viveu muito tempo para ver a sua revolução progredir e o cruel e
sanguinário Stálin assume o poder de forma totalitária reprimindo violentamente
nos seus opositores, incluindo os revolucionários de primeira hora como Leon
Trotsky.
Entre as esquerdas brasileiras
havia uma percepção de que sob o comando de Lênin as coisas teriam sido
diferentes, mas a revisão histórica indica que não mudaria muito, mesmo ele
sendo um intelectual e mais refinado do que o brutamonte Josef Stalin. Mas
quando se toma o poder pela força a história mostra que é preciso governar de
forma totalitária suprimindo liberdades e direitos e só assim se consolida o
poder. Numa revolução, os desalojados sempre vão querer recuperar o poder. A
troca de comando nunca se dá de forma civilizada, mas com troca de chumbo.
Fora isso, os russos também
fizeram sucesso por aqui com a viagem da cachorrinha laika, que deu a volta na
terra numa nave espacial. Ela não sobreviveu e não pode usufruir da fama que
merecidamente ganhou por ter sido a primeira terráquea viajante espacial da
história. Mas depois o russo Yuri Gagarin fez fama ao ver pela primeira vez na
história da humanidade o nosso planeta do espaço. A sua frase: “A terra é azul”
ficou eternizada. Ele viu ao vivo que o céu não existia. Só viu planetas,
galáxias e estrelas no espaço cósmico. E imaginar que Galileu Galilei quase foi
lançado à fogueira porque queria provar que a Terra não era o centro do
universo.
A Rússia me faz também lembrar de
um artigo que li nos anos 1970, em que o autor afirmava que na União Soviética
havia uma forte oposição ao regime em razão do atraso em relação ao Ocidente,
pelas perseguições políticas, repressão e censura. Entretanto, ele afirmava com
segurança: “A URSS deverá passar por profundas mudanças, mas jamais retornará
ao regime capitalista. A população que nasceu sob o socialismo jamais aceitará
mudanças no sistema econômico”. Enganou-se o autor cujo nome não gravei. A URSS se desintegrou, voltando a Rússia e os
países que dela faziam parte ao capitalismo e da pior espécie, quase selvagem e
corrompido. Hoje a Rússia, maior país do mundo em território, é governada por
um quase ditador que tem pretensões a ser um novo Czar legitimado por uma
frágil democracia.
Enfim, talvez a Rússia até leve a
Copa do Mundo, pois o Putin poderá fazer qualquer coisa para manter-se no
poder, resgatando o velho império e o prestígio internacional que teve no
pós-guerra, como a segunda maior potência global. Para levar a Copa para o seu
país gastou bilhões e tudo indica muito mais do que o Brasil. Nada como o pão e
circo, lição que todos os chefes de estado aprenderam com o velho Império
Romano, para agradar o povo e conseguir a estabilidade política.
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