A OLIVEIRA DO CEILÃO
Cansado dos
negócios da carne no seu sentido literal, quando via diariamente cadáveres de
bois, porcos e galinhas, um velho amigo dos tempos idos resolveu partir para a vida
bucólica do campo. Passou nos cobres a sua rede de açougues, que apesar de
bastante rentável, dava muito, muito trabalho, pois não tinha fim de semana ou
feriado para o merecido lazer. Todo dia é dia de carne na mesa das pessoas.
Perambulando pelo interior viu
muitas propriedades, algumas maravilhosas, mas que não cabiam em seu bolso. Até
que um dia descobriu em Pinhalzinho, perto de Bragança, um bucólico sítio, com
boa nascente e boa terra. Era uma antiga fazenda de café, com o seu velho
terreiro sustentado por uma muralha de pedra cujas origens remontam os tempos
da escravidão. Lá encontrou até uma pequena senzala, onde o primeiro
proprietário mantinha sua escravaria. O velho casarão ele decidiu demolir,
mesmo contrariando a Guta, sua mulher, que teria preferido restaurar a antiga
sede de fazenda em nome da preservação da memória histórica. Ao ouvir conversas
de que ali morreram muitos escravos e que o cruel proprietário cortava as mãos
dos fujões, não sossegou enquanto não viu as paredes colocadas abaixo,
juntamente, com as lembranças de sofrimentos.
Outra coisa que encantou o casal
foi descobrir uma velha oliveira do Ceilão, carregada de belas azeitonas. As
frutas são um pouco mais compridas do que as européias e a árvore bem maior. A Guta
imediatamente visualizou dezenas de vidros de conservas de azeitonas nas prateleiras
da cozinha.
Fechado o negócio colocaram as
mãos à obra. Construíram uma boa casa para acomodar a família que estava
crescendo, além de uma grande área de lazer com churrasqueira, fogão a lenha e
salão de jogos. Aproveitando a bela nascente, botaram abaixo um bambuzal e
construíram um belo lago para a criação de peixes e também para a garotada dar
uns mergulhos nos dias de verão. O fim do bambuzal deu alguns problemas, pois
um antigo empregado descontente com a demissão denunciou o desmatamento do
bambuzal, o que acabou rendendo uma multa ambiental. De nada adiantou tentar
provar para o fiscal que eles haviam plantado muito mais árvores do que
existiam originariamente no terreno.
E as azeitonas do Ceilão? Guta
com todas as suas habilidades tentou, em vão, transformá-las nas apetitosas
conservas para enriquecer os pratos que preparava. As frutas depois de cozidas
de acordo com os padrões lusitanos apodreciam. Desanimada, abandonou o projeto.
A oliveira do Ceilão continua lá e seus frutos não atraem pássaros ou bichos
rasteiros e apodrecem inutilmente durante todos os outonos. Guta uma educadora
de profissão e doceira por distração, preferiu preparar doces variados e
deliciosos que serve para os amigos que se empanturram após as lautas refeições,
mas continua frustrada por não aproveitar as azeitonas do Ceilão.
Escrevendo para um velho amigo
que residiu alguns anos no Ceilão, eis que resolvemos o problema da Guta. O
velho Dedo Thenório um aventureiro errante que a duras penas aprendeu o idioma
local e também a sua botânica, deu-me o prazer de enviar uma receita para o
aproveitamento das falsas azeitonas, que prazerosamente encaminhei à amiga Guta.
As tais azeitonas falsas podem ser preparadas através de deliciosas compotas
doces ou salgadas.
Enquanto a Guta vai preparando as
suas compotas, seu zeloso marido tenta tocar uma harpa paraguaia, que comprou
em uma de suas viagens à tierra Guarany. O problema é que o rapaz não consegue
tirar mais do que um truumm, truumm, o que está tirando o sono da família e da
vizinhança. Dois velhos amigos, para consolá-lo, até compuseram uma guarânia em
sua homenagem, enaltecendo a sua história de vida. O ex-pintor, ex-professor,
ex-sociólogo, ex-açougueiro continua tentando tirar algum som agradável do
instrumento e com isso até os pássaros se afastaram do seu belo recanto.
Muito gostosa a leitura desta crônica, Ladeia. Parabéns mais uma vez1
ResponderExcluirSerá que o Dédo sabe mesmo falar a lingua do Ceilão?
ResponderExcluirAté posso acreditar, pois ele sabe de tantas coisas...
Parabens, Renato, muito bom de ler.