A primeira televisão a gente nunca esquece, não é mesmo? É evidente que eu me refiro àquelas pessoas com mais de cinqüenta anos que viram o aparelhinho entrar pela primeira vez em casa. Meus pais resistiram muito em comprar uma TV por acharem que o rádio já estava ótimo. Além disso, os aparelhos da época ficavam mais nas oficinas de conserto do que na sala de visitas. Isso era visível quando o carro da Eletrônica Kodama parava em nossa rua para levar ou trazer aparelhos com problemas. O japonês era o melhor técnico da praça, pois consertava tão bem os aparelhos que ficavam funcionando até três meses, o que era um recorde. Naqueles tempos ter uma televisão significava ter mais um filho para sustentar.
Uma senhora que morava em frente à nossa casa comprou a primeira TV da rua e como tínhamos uma intimidade maior com ela, eu e meu irmão mais novo íamos lá assistir o Zorro, A turma do Sete e até o Alô Doçura, com o John Herbert e a Eva Wilma. Programão! E foi por causa da televisão da vizinha que meus pais resolveram comprar uma também, pois detestavam que a gente fosse à casa dos vizinhos para incomodá-los. A nossa primeira foi uma Invictus, uma perfeita bomba se considerarmos os padrões de hoje. Em todo momento ela desregulava e precisávamos ficar girando os botõezinhos da vertical e da horizontal. Normalmente na melhor parte do filme ou programa, a faixa horizontal disparava.
Havia também a disputa por programas. Meu pai adorava o telecatch aos sábados e a garotada preferia, obviamente, o Bonanza, um faroeste sobre uma família de fazendeiros que fez muito sucesso nos anos sessenta. Era o máximo, desde que meu pai não ficasse com o saco-cheio da lengalenga do Bonanza e resolvesse dar uma espiadela na luta livre. Era um saco. Ninguém saía da sala por uma questão de respeito ao velho, mas que dava vontade, isso dava.
Lá em casa se ouvia falar sobre a televisão há muito tempo, mesmo antes das primeiras aparecerem no bairro. Meu avô falava nela desde os anos quarenta, quando leu umas notícias numa revista estrangeira que ele assinava. Meu pai contava que quando ele falava sobre a televisão o pessoal do interior pensava que ele tinha ficado louco. “Onde já se viu ver as pessoas de longe? Isso é coisa de velho caduco”. Meu amigo Sinézio Dozzi Tezza contava que em Descalvado o prefeito colocou um aparelho na praça para o povo assistir e ele com seus amigos subiam numa árvore e ficavam assistindo com os olhos fixos no aparelho. Para espantar “coisa ruim” eles faziam figa nos dedos, pois os mais velhos diziam que era coisa do demônio.
Mas a televisão, apesar das suas múltiplas vantagens em termos de lazer e informação, acabou destruindo uma extensa rede social. Os gibis foram perdendo o seu glamour, já que podíamos ver os nossos heróis diretamente na telinha, “vendo a vida mais vivida, que vem lá da televisão”, como diria o poeta. Nossos vizinhos sempre apareciam durante a semana ou no final para um cafezinho e falar de política ou sobre os últimos acontecimentos. Com a telinha se espalhando pelo bairro, os contatos diminuíram tanto que as pessoas mal se falavam. A televisão isolou as famílias no aconchego dos lares. O cinema do bairro, aos poucos foi perdendo o público e isso aconteceu também depois com os cinemas centrais. A conversa quando se encontravam não era mais sobre a família, as novidades, as receitas, as viagens. Os assuntos mais importantes vinham lá da televisão. A imagem passou a ser mais importante do que a realidade.
Renato Ladeia
Renato Ladeia
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