A BENGALA
Francisco tinha uma bela bengala japonesa que herdou do seu avô. Era de cerejeira com cabo de prata. Com quase setenta anos de idade, ele circulava com ela orgulhoso pelos corredores da empresa. Não que precisasse da bengala para se locomover, mas por um pouco de esnobismo. Mas isso não significava que era um esnobe, apesar do sobrenome pomposo que revelava uma origem nada modesta. Ele apenas tinha saudades dos esnobismo dos velhos tempos do Rio de Janeiro quando seu avô paterno circulava por Copacabana usando elegantemente seu chapéu Panamá e a bengala. Algumas vezes, contava ele, o avô o levava para saborear algumas guloseimas na Confeitaria Colombo. Era um acontecimento inesquecível, que gostava de relembrar sempre que me encontrava. Contava, também, que às vezes, o avô o deixava brincar com a bengala desde que não se afastasse muito do seu olhar, pois era muito ciumento com ela. Mas disse-lhe, claramente, que seria sua depois que partisse.
E assim o seu Chico empurrava com lentidão os seus dias; aguardava ansioso a sua aposentadoria, quando então poderia retornar ao Rio e curtir o que havia restado da velha cidade maravilhosa. Quando saia para visitar clientes, não deixava de levar a sua velha bengala que teria quase duzentos anos, justificando que era uma boa defesa em caso do ataque de algum malandro que resolvesse se aproveitar da situação por ele ser idoso.
Alguns funcionários mais jovens já reclamavam do velho por ser difícil trabalhar com ele, que não produzia o suficiente, que estava empregado por ser protegido por um diretor. Essa desconfiança era até plausível, pois os dois pareciam ter algum laço de parentesco, principalmente pelo jeito de falar e de andar. Protegido ou não ele não perdia a fleuma e circulava elegante com a velha bengala trazida do país do sol nascente e, vez por outra, pitava um velho cachimbo, que dizia ser um inglês autêntico.
Num dia desses esqueceu a velha bengala em um dos veículos utilizados pelos vendedores da empresa. Ficou desesperado, pois não conseguia se lembrar onde deixara a sua relíquia. Passou o dia procurando e perguntando em todos os departamentos se alguém a havia visto. Nem sinal. Ainda o encontrei no corredor lamentando a perda com os olhos marejados. O mistério da bengala desaparecida durou alguns dias, tornando-se um caso que subiu ao topo da hierarquia da empresa. Finalmente, o mistério foi desvendado. Um vendedor, por acaso, japonês, como a bengala, encontrou-a no carro que ia usar e, por absoluta falta de sensibilidade, a jogou no recipiente de lixo juntamente com alguns jornais velhos que estavam no banco traseiro.
A história circulou pelos escritórios e todos se sensibilizaram com o velho Chico que perdera sua velha bengala que o ligava aos seus ancestrais. Lamentou por vários dias, sempre contando a alguém a história do sumiço da bengala e sobre a maldade do colega. Classificara a atitude como insensível e desrespeitosa para com os pertences alheios.
Mas não tardou e a sua aposentadoria finalmente chegou; entretanto, não voltaria para o Rio de Janeiro para passear na velha Copacabana no final da tarde e aproveitar os últimos raios de sol, como planejara. A história da bengala tirou a alegria do velho, que se fechou numa tristeza de fazer pena. Num dia, que não terminou para ele, ficou debruçado sobre a mesa de trabalho e nunca mais acordou. Na manhã seguinte o faxineiro foi avisá-lo que encontrara a velha bengala. Estava no depósito que ficava ao lado da garagem, junto com vassouras e material de limpeza. Alguém a achou e se esqueceu de perguntar de quem era. Mas para o seu Chico era tarde demais.
Renato Ladeia
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