Maria de Fátima, não era bonita, ou melhor, dizendo, estava mesmo mais para a feiúra do que para a beleza. Era magra, quase esquelética, usava óculos de aros escuros e muito pesados. Tinha dois filhos e era casada com um policial militar. Ela estava com quase trinta anos, quando resolveu voltar a estudar e mudar sua pacata vida de dona de casa. Fez o ginásio e o curso normal à noite, pois seu sonho era ser professora primária. Foi até longe demais para as suas condições, mas tudo isso teve o seu preço. Seu marido, no início, até que tolerou a decisão da mulher, mas aos poucos começaram os conflitos. Ele a acusava de abandono do lar para arranjar amantes na escola. Para ela ficava cada vez mais difícil cuidar da casa, dos filhos do trabalho e dos estudos que não pretendia abandonar.
Um outro problema a deixava em conflito. O marido, desde há muito tempo, queria apimentar a vida sexual do casal e insistia, de toda forma, que ela concordasse em praticar sodomia, o que ela abominava. Considerava isso um desrespeito à mulher. As brigas começaram a se tornar cada vez mais freqüentes, principalmente pela sua recusa em atender aos desejos do marido. Cansada da vida de casada e dos assédios do marido resolveu se separar, mas ele ficou com a guarda das crianças, dois meninos. A partir daí Fátima ficou a deriva. Livre como um passarinho. Passou a freqüentar a igreja de um padre que era ligado em movimentos políticos e sociais. Participava de passeatas, reuniões, debates, além dos programas de ação social da igreja. Passou a conviver com jovens, garotos e garotas, cujas idades variavam entre 16 a 20 anos. Fátima se soltou, liberou geral, como se dizia na época. Passou a discutir sexo com a meninada, abrindo seu coração.
Num dia foi assistir a uma peça de teatro com a garotada e foi lá que encontrou Cesar, um rapaz de uns 18 ou 19 anos, que conhecia de vista na igreja. Ficaram conversando sobre amenidades, sexo e política. Sentaram juntos no teatro e ela tão logo que pode, ela segurou a sua mão. Ele aceitou a investida e assistiram a peça de mãos dadas. Ela encostou a cabeça em seu ombro e algum tempo depois se beijaram no escurinho do teatro. Terminada a peça, houve um debate e Cesar, bastante falante, participou ativamente. Ela ficou deslumbrada em estar de mãos dadas com aquele menino brilhante, inteligente, que falava coisas que ela achava bonitas e bem colocadas, mas não tinha capacidade de dizer. No final ele foi acompanhá-la até sua casa e durante o caminho pararam várias vezes para trocarem beijos apaixonados. Fátima estava em êxtase.
Convidou o rapaz para ir à sua casa, onde morava com uma irmã também separada com os filhos. Foi lá que após todos dormirem que Fátima teve a sua primeira aventura amorosa depois da separação. A experiência foi eletrizante para uma mulher separada e romântica. Daí para frente nos encontros semanais, ela lavava a alma. Ela queria mais, muito mais, e chegou a propor que morassem juntos, mas o rapaz desconversou.
Num dos encontros, precisou ir à escola onde estudara e pediu ao Cesar acompanhá-la. Aquilo foi uma tortura para ele, pois havia muitos jovens por lá, que olhavam com estranheza uma mulher com um rapaz que parecia ser seu filho. Cesar ficaria aguardando do lado de fora enquanto ela resolvia seus problemas. Quando voltou ele não estava mais lá. Nunca mais se viram. E assim acabou a primeira aventura amorosa de Maria de Fátima, sem despedidas, sem ciúmes, sem brigas. Mas ela não desanimou e continuou a freqüentar a igreja e as reuniões de jovens, sempre na esperança de seduzir outro garotão.
Tempos depois na mesma igreja em que freqüentava, começou uma amizade com o Evandro; conversa vai conversa vem, um novo romance. Para o Evandro, virgem até então, estava ótimo, mas ela voltou a propor uma relação mais séria, que o rapaz descartou como o anterior. Fátima não se conformou e chegou a se entregar de corpo e alma, aceitando até aquilo que recusou a vida toda com o ex-marido; mas a grande diferença de idade foi mais forte e o Evandro acabou também fugindo da relação.
Ela manteve as suas atividades, participando de movimentos sociais clandestinos e sempre se envolvendo com rapazes bem mais jovens do que ela. Foi presa numa batida do Deops na igreja que freqüentava. Abriu a boca, entregando o nome de todo mundo que freqüentava a casa paroquial. Não deu em nada. O grupo era mais festivo do que voltado para a ação política mais séria. Foi libertada e nunca mais apareceu na igreja ou se encontrou com a turma, que a condenou por traição da causa.
Fátima continuou com a vida de professora primária e dona de casa, desistindo da participação política e social. Convenceu-se de que não tinha mesmo jeito para a coisa. Reencontrou-se com o ex-marido, já aposentado e também sozinho. Acertaram as contas, inclusive sobre sexo e voltaram a viver juntos e, desta vez, até que a morte os separassem. Mas essa não demorou muito tempo para chegar e Maria de Fátima partiu alguns meses depois quando foi descoberto um câncer em seu útero.
Renato Ladeia
Renato Ladeia
Lembrei-me de Nelson Rodrigues - embora não se pudesse conceber Nelson escrevendo um texto como esse - e a Vida Com Ela É. Pois é, Renato, é a vida.
ResponderExcluirUm grande abraço.
É ... Eu talvez seja suspeito pra comentar. Mas desejaria muito que
ResponderExcluirsuas crônicas figurassem em algum jornal de grande circulação.
Brilhante a " Maria de Fátima ". Parece que foi escrita pelo Drummond.
Abração,
Zéca