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HISTÓRIAS DE DESCALVADO



A fama de que Itu é a terra dos contadores de exageros está para ser recontada, pois em Descalvado eu ouvi alguns dos causos mais absurdos em toda a minha vida. Estava de passagem por lá e resolvi entrar numa padaria para tomar uma cerveja com o amigo Sinésio Dozzi Tezza nascido na cidade, onde viveu até a juventude, que me acompanhava.
Enquanto bebericávamos fiquei olhando para a rua que lembrava o poema Cidadezinha qualquer do Carlos Drummond: “Um burro vai devagar/ Um cachorro vai devagar/ Devagar as janelas olham/ Eta vida besta meu Deus!” De repente minha atenção se voltou para uma conversa numa mesa ao lado. Um sujeito com uma voz um pouco aguda não parava de falar com seu acompanhante, foi quando ouvi as histórias mais inacreditáveis. Numa delas ele falava sobre um jogo de futebol que ele havia disputado quando muito jovem, a qual tento relatar com alguma fidelidade:
- O beque fez o penarti na horinha que eu ia fazer o gol. Ah eu mesmo fui bater. Ajeitei a pelota, tomei a distância e carquei o pé na bicha.
- Marcou o gol?”, perguntou o outro.
- Mas é craro que marquei, sô! A pelota varou a rede e entrou mais de metro no barranco. Foi preciso tirar a bola com a enxada. E se não acreditar é só perguntar pra quarquê um lá de Butiá, que vai confirmar”.
Em seguida veio com outra, quando o colega perguntou sobre o caminhão que ele tinha, um FNM. Ele se entusiasmou e desandou a falar sobre o veículo.
- Uma noite eu vinha no meu fenemê carregado de areia lá de Porto Feliz. Aí eu vi um carro parado na estrada e meti o pé no breque. E cadê o breque, sô? Não tinha nadinha de breque e o carro continuou a mais de cem por hora na descida.
- E aí, bateu?
- Que nada sô! Segurei firme o volante, meti o pé no chão e segurei o bicho. Você não vai acreditar a quantidade de fumaça que saiu da minha botina. Olha aqui (mostrando a sola do calçado) foi esta botina mesma. Fui engatando a marcha e segurando com o pé. Parei um metro antes do carro.
- Mas é verdade mesmo Zé? Perguntou o outro espantado com a história.
- Eu juro pela Mãe Santíssima e posso morrer aqui mesmo se não for verdade.
- Mas me conta uma coisa, Zé, é verdade mesmo que o engenho de cana da fazenda do seu avô ainda está funcionando? Continuou seu acompanhante.
- Mas é craro que tá sô!
- Quanto de cana ainda mói?
- Ah, lá você pode colocar uma tonelada de cana que ela mói tudo.
- Uma tonelada? Você não tá exagerando não?
- Que isso sô? Você pode botar ferro lá que a moenda tritura que vira pó.
- Ferro? Você está brincando comigo?
- To nada sô. Aquela terra tem tanto ferro e ouro, que as madeiras de lá é mais forte do que aço.
- Num brinca?
- Pois é rapai, ouro lá dá pra tirar no enxadão e derretê no fogão de lenha. Cansei de usar ouro derretido pra consertar portão, fazer ferro de marcá gado. O sino da igrejinha de Butiá é todinho de ouro que eu mesmo fiz.
Quando ele estava saindo o meu companheiro, percebendo que eu estava chocado com a conversa, tentou se explicar:
- Não leva a sério não. É o sujeito mais mentiroso de Descalvado.
- Não diga? Eu até pensei que você estava acreditando nas histórias.
- Acreditando? Só quem não conhece o Zé pra acreditar nessas lorotas. Essa história do caminhão que ele contou aconteceu com o meu tio, não foi com ele não.
Depois dessa pedi a conta e perguntei ao dono do estabelecimento onde era a fábrica de cerveja que tinha na cidade, ele respondeu:
- Falam que é ali do lado da praça, mas na verdade essa cerveja sai pronta de uma mina que tem aqui, lá pelos lados de Butiá. A cerveja sai geladinha e pronta prá beber. Tem até um córrego da loirinha numa fazenda aqui perto. As vacas de lá, de tanto beber cerveja, dão até cem litros de leite.
- Por dia?
- Não, é por hora mesmo.
No caminho de volta tentei brincar com o meu companheiro de viagem sobre as histórias de Descalvado, mas ele estava sério e parecia não admitir que eram lorotas. Cá com meus botões conclui, como o filósofo Walter Benjamin, que a história oral depende de quem conta e cada “narrativa revelará sempre a marca do narrador, da mesma forma como é revelada a mão do artista na cerâmica”.

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