Lembro-me ainda criança no final dos anos 60 o quanto era difícil escrever Kubitschek, o sobrenome de origem tcheca do presidente da República. Quem não conseguia escrever corretamente perdia pontos na prova e por isso me esmerava em escrever o nome complicado do primeiro mandatário. Naquela época via o presidente apenas em jornais e revistas, pois não tínhamos televisão em casa. Ainda criança cheguei a ver o JK na televisão numa entrevista. Ele falava com bastante desenvoltura e de forma muito otimista sobre o Brasil, apesar de ter ficado longe do país durante muito tempo. Uma das frases que disse foi: “Ao viajar de automóvel por São Paulo, fiquei espantado com o progresso, tive a impressão de estar nos Estados Unidos, com boas estradas e fazendas bem cuidadas”. Era um sujeito simpático, elegante e bem humorado, mas os seus críticos não perdoaram o caos financeiro que deixou pela construção de Brasília. O presidente que o sucedeu, JQ era muito carrancudo, sempre mal humorado e com o colarinho em desalinho. Meu pai era um anti-janista e talvez isso tenha ajudado a construir a minha imagem sobre ele. Aliás, foi do Jânio, a minha primeira caricatura, que foi amplamente aprovada pelo meu velho. Infelizmente a minha carreira de caricaturista feneceu por fala de entusiasmo e talento. O sucessor, João Goulart, me parecia estar sempre deprimido, tristonho, sugerindo estar em total desconforto com o cargo de presidente.
Vieram os militares, quase sempre de óculos escuros. Ouvi dizer que os militares usam esse adereço para evitar o olho no olho e não se envolverem emocionalmente com as pessoas. O Castelo Branco ficou pouco tempo e não tive tempo de acompanhar sua trajetória, mas o Costa e Silva povoou o imaginário da população durante sua permanência na presidência. Não era por suas qualidades, mas pelas anedotas que se contava a seu respeito. É claro que a maioria delas eram adaptações de velhas piadas, mas como diz o ditado: Onde há fumaça há fogo, é possível que refletissem alguma verdade. Uma das anedotas que se contava muito na época era assim: Estava o presidente em um cortejo por uma estrada, quando ele avista uma placa e pergunta ao seu assessor: “Que empresa estatal é essa que eu não conheço? Qual empresa senhor presidente? Essa tal de Emobrás! Desculpe-me presidente, mas não é uma empresa estatal, mas apenas uma placa indicando que a estrada está em obras”. Mas durante a visita da rainha da Inglaterra, os jornais publicaram, muito sutilmente, que o presidente cometera uma gafe. A rainha levantou um brinde à cidade de Brasília, cuja data de fundação, coincidia com o seu aniversário. O presidente teria levantado e feito um brinde ao aniversário da Rainha, o que causou risos e desconforto entre os presentes.
As gafes presidenciais têm sido constantes, principalmente nos cerimoniais mais rígidos ou também por se falar demais. O Collor, falou alto e em bom tom, num comício transmitido pelo jornal nacional que tinha “aquilo” roxo. Nada tão desagradável para um presidente da Republica, expor publicamente a cor de suas partes íntimas como se fosse algo para se gabar. Puro machismo. O Itamar Franco foi flagrado com o clic indiscreto de um fotógrafo, dançando com uma moça sem calcinhas no sambódromo do Rio de Janeiro. Coitado do Itamar pagou um tremendo mico. Fernando Henrique, um intelectual de renome e com experiência internacional, não deixou por menos e cometeu vários deslizes durante seu mandato. Um deles, ao criticar os professores universitários que não pesquisavam, disse: “O professor que não pesquisar e não publicar, coitado, vai ter que dar aula”. Ora, ora, professor é para fazer o que? Com a frase, desqualificou professores e ele mesmo, um mestre aposentado.
Ciro Gomes candidato a presidente, ofendeu, numa entrevista, sua namorada, a atriz Patrícia Pillar, ao responder sobre o papel dela em sua campanha: “O papel dela é na cama, disse com a autoridade de um nordestino machista, de bom calibre. Bom, não precisa dizer que sua campanha despencou depois disso. Anteriormente o Paulo Maluf também deixou seu registro para a história do machismo brasileiro: “Está com desejo sexual, tudo bem, mas não mata”, ao se referir ao estupro seguido de assassinato. O Lula não conseguiu aprender com o Collor, o Ciro e Maluf e soltou a máxima em termos de machismo: “Eu me casei e engravidei a galega na primeira noite”. Tudo isso para provar que o presidente é um homem macho de verdade, desses que matam a cobra e mostram o pau. Isso me lembra uma palestra sobre sexo que um padre dominicano fez há muito, muito tempo. Ele deixou bem claro que um homem não se mede por ter relações sexuais, pois isso qualquer animal é capaz de fazer, mas sim pelo seu caráter, sua cultura, dignidade, honra etc. etc. Aquela frase marcou minha vida e sempre que vejo alguém se gabar de seus feitos sexuais, lembro-me da frase e comparo a pessoa a um bicho qualquer, não um verdadeiro homem, pois não é isto que engrandece alguém. Além disso, soa como cafajestismo expor a vida sexual publicamente, seja ela da qualidade que for. E, convenhamos, quem precisa disso para se afirmar, com certeza deve ter lá os seus problemas.
Mas como o nosso presidente, um ex-operário, que se educou parcamente, leu muito pouco e conviveu em um ambiente machista e preconceituoso e que fala pelos cotovelos, as gafes tendem a se repetir. Aquela frase durante a visita a um país africano em que pronunciou a máxima: “Como esta cidade é limpa, nem parece que estamos na África”, é fruto do preconceito social e racial, muito comum entre os brasileiros. Muitas pessoas não falam, mas pensam muitas vezes dessa forma, mesmo sendo educadas. Educação escolar não reduz o preconceito das pessoas, pois ele é adquirido em casa e num processo de socialização mais amplo.
A solução, para evitar esses vexames, que poderiam em outros tempos até provocar uma guerra, é “Em boca fechada não entra mosca”, ou seja, falar estritamente o necessário, de acordo com o script previamente preparado pelos assessores. Nada de dar opinião sem antes trocar idéias com alguém preparado e de cabeça fresca. Os discursos devem ser lidos e relidos antecipadamente para evitar problemas diplomáticos. Afinal, machismo e preconceito estão longe da civilização e para sermos um país civilizado, é preciso, antes de qualquer coisa, que os nossos homens públicos sejam educados e pensem antes de abrir a boca. E que as mulheres aprendam que homens que não respeitam o outro sexo, estão longe de respeitar as mínimas regras da civilidade e precisam aprender muito antes de se candidataram a cargos públicos.
Renato Ladeia
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