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LYGIA FAGUNDES TELLES

Barra de São João, uma pequena vila da cidade de Casemiro de Abreu no Rio de Janeiro, era onde passávamos nossas férias de verão. Um lugar bucólico, com a arquitetura colonial preservada em algumas casas, talvez pelo fato das praias não serem tão atrativas aos turistas como da sua vizinha Rio das Ostras. Mas era ali que ficava a casa onde morou o poeta Casemiro de Abreu e também onde ele estaria sepultado (diz o povo que o corpo foi roubado). Mas foi também ali, em frente ao Rio São João, num casarão colonial abandonado pelo descaso do poder público, que o grande pintor Pancetti morou por algum tempo, buscando inspiração para suas belas marinhas. Lá tudo andava devagar e devagar as janelas se abriam e fechavam observando lentamente os passantes.

E foi ali, numa de nossas férias que o nosso querido Fiico, um sósia do Martinho da Vila, um sujeito simpático e bom de conversa, além de violonista de primeira nos contou que a escritora Lygia Fagundes Telles estava hospedada na pousada onde habitualmente ficávamos. Era uma bela oportunidade para conhecer pessoalmente uma das mais importantes escritoras do país. E foi no segundo dia, que entrando na pousada demos de frente com a Lygia, acompanhada de uma amiga.
- Lygia Fagundes Telles, disse em voz alta, simulando alguma intimidade.
Um pouco surpresa, ela procurou por alguém conhecido a sua volta. Ai me apresentei como seu admirador apesar de ter lido apenas um livro de contos de sua autoria e alguns contos esparsos em antologias. Pensei em tirar uma fotografia da escritora com minha filha, para que ela pudesse guardar como uma valiosa lembrança, mas cheguei à conclusão de que seria uma caretice de fã e abandonei a idéia. Acabamos falando de uma palestra em minha cidade, promovida pelo centro acadêmico da faculdade em que ela fora uma das personalidades convidadas e do seu refúgio preferido, a pequena São João com seu ar interiorano, apesar de litoral.
Ainda a encontramos em um barzinho tomando água de coco com sua amiga, mas não ousamos incomodá-la, pois quem sabe estaria reservando aqueles momentos para inspirar-se para mais um conto ou romance. Ela olhava as ruas com seus olhos profundos e suaves e às vezes os lançada em direção ao mar, onde as ondas quebravam com violência na praia. Poderia ser um momento de criação e nada tão inoportuno do que um fã para atrapalhar sua concentração e quem sabe perder-se o fio da meada de uma história que estaria nascendo. No dia seguinte ela se fora e nossa pousada perdera sua fugaz notoriedade, mas com certeza apenas minha família e o velho Fiico sabiam da importância da hóspede para a cultura nacional. Afinal um escritor raramente está na telinha e quando isto acontece à audiência é diminuta.
De volta a São Paulo tratei de recuperar o tempo perdido e mergulhei nos livros da nossa escritora, prometendo a mim mesmo, caso a encontrasse novamente, poder falar sobre seus livros como um velho e experiente leitor. Há tempos não volto à Barra de São João e quem sabe por um desses caprichos do destino em minhas próximas férias poderei encontrá-la na mesma pousada e conversarmos longamente sobre um dos meus assuntos prediletos: a literatura.

Renato Ladeia

Comentários

  1. Oi! Sorte a sua, nesse passeio, encontrar uma pessoa especial como a Lygia, vê-la tão de perto.... que inveja....e ainda trocar algumas palavras....
    Também tive essa oportunidade quando estudava na Fundação há algum tempo atrás.... assisti uma palestra e foi nesse dia que adquiri o livro "A noite escura e mais eu" (que é meu preferido), porém, a fila estava tão grande que não deu para ela autografar meu livro, que frustração! Quem sabe, um dia, a vida me proporcionará uma surpresa boa assim como foi contigo? Beijos

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