Passando por Monteiro Lobato, bucólica cidadezinha do Vale do Paraíba, vimos uma pequena placa “Sítio do Pica Pau Amarelo”. As lembranças do seriado na TV, dos livros do Monteiro Lobato, fizeram com que nossas resistências fossem minadas e pegamos a estradinha poeirenta para conhecer o tal sítio. A viagem foi mais longa do pensávamos, uma estrada que há muito não é conservada e entre subidas e descidas avistamos o casarão colonial que reina majestoso num pequeno vale.
Fomos bem recebidos por vários cães que quase impediram que saíssemos do carro. Mas a proprietária, que não é parente do escritor, nos convidou a visitar a casa por módicos três reais. Contou-nos ela que seu avô comprou a fazenda de um negociante que por sua vez havia comprado do escritor, depois do seu fracasso como fazendeiro. Ainda bem, pois caso contrário o Brasil e o mundo teriam deixado de conhecer as fantásticas aventuras de Narizinho, Pedrinho, a boneca Emília, o Visconde de Sabugosa e outros personagens que povoaram a infância de milhões de brasileiros.
A casa, que pertenceu ao Barão de Tremembé, avô materno do escritor é enorme e bem conservada. As portas parecem que foram dimensionadas para gigantes de tão altas. A sala que dá vista para o jardim cabe muito bem um bom apartamento da cidade. Um cubículo ao lado da sala é chamado de biblioteca e era onde o escritor, quando garoto, fazia suas primeiras leituras.
Da sala acessamos os dormitórios, enormes cômodos com alcovas para que as meninas moças não saíssem do controle dos pais. Não há um corredor para se passar de um quarto a outro. São todos interligados, indicando que não havia nenhuma privacidade na arquitetura colonial que predominou por estas plagas até o século passado. Uma outra porta dá acesso à sala de jantar e cozinha. O dormitório da lendária Tia Anastácia ficava ao lado de um quarto de banho, que dá para a cozinha. Isso mesmo, quarto de banho, pois servia apenas para isso. As necessidades fisiológicas era realizadas numa casinha do lado de fora, bem distante da casa. À noite se utilizava o urinol, como todas as famílias da zona rural, fossem de barões ou de plebeus.
A arquitetura da época não privilegiava os sanitários como uma parte nobre das residências. Diferentemente de hoje, quando as dependências destinadas à higiene pessoal são as mais dispendiosas na maioria das residências. A simplicidade com que viviam muitos barões do café, com todos os recursos de que dispunham, era impressionante. Imaginem vocês leitores, o Barão não ter um lugar reservado para o seu banho ou para aliviar a bexiga num dia chuvoso. O uso do urinol não fazia jus a sua fidalguia. Gilberto Freire, em Casa Grande e Senzala relata que os senhores do Nordeste ao construírem confortáveis casas nas cidades, ainda mantinham o hábito de usar o urinol para desgosto dos empregados e isso já no século XX.
A nossa estranheza não é diferente da percebida diante do texto de Horace Miner, Os Nacirema, um ensaio antropológico que lança um olhar estrangeiro diante dos hábitos e costumes do povo norte-americano. Miner fez uma brincadeira que ficou famosa nos meios acadêmicos, ao descrever a sociedade americana pelo olhar de um antropólogo de uma cultura distante no tempo e no espaço.
Mas voltando a casa do Barão, ainda tivemos a oportunidade de saborear um licor de jabuticabas preparado pela proprietária. Além do licor, geléias caseiras, goiabada cascão são oferecidos aos visitantes a preços convidativos, afinal a casa é propriedade particular e não recebe nenhuma ajuda do governo. Uma pena, pois melhor administrada, com um acesso decente, poderia ser um importante ponto turístico.
Enfim, um último olhar ao casarão, cercado por palmeiras e muito verde, que segundo a proprietária, serviu de inspiração para Urupês, um livro de contos considerado pela crítica como a obra prima do escritor paulista.
Renato Ladeia
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