Pular para o conteúdo principal

PAPA HIGHIRTE E A SOLIDÃO DOS DITADORES

Fui ontem ao teatro depois de alguns anos na companhia da Celia e do velho amigo Claudio Antonio Campana, um ator que abandonou a carreira por problemas de saúde. Fomos assistir a peça Papa Highirte de Oduvaldo Vianna Filho. No papel principal o experiente ator Zecarlos Machado, amigo que não víamos há mais de 40 anos. A peça foi premiada nos anos 1970, mas não foi encenada por motivos óbvios, pois a temática é sobre ditadores e ditaduras militares. Papa Highirte é um ditador exilado em um país imaginário e quer retornar ao poder em uma nação que se assemelha ao Haiti. O poder foi tomado por um adversário que controla o país. Papa tem o apoio aparente de alguns chefes militares, mas que podem traí-lo. A peça mostra que os ditadores são solitários e não podem confiar em ninguém, nem mesmo na família. Ele fica entre os militares, a burguesia nacional aliada ao capitalismo internacional e os movimentos populares. Ele se julga um bom ditador, justo e humano, mas as torturas e assassinatos estão em toda parte no seu país. A interpretação do Zécarlos Machado é ótima como o ditador, mas o mesmo não acontece com o líder revolucionário Arrabal, que não coloca emoção em suas falas. Os demais não comprometem o resultado. No final, um morcego sobrevoa o palco, mas só assusta um dos atores e quase ninguém percebe. Zécarlos Machado comentou no camarim que a peça foi escolhida pelo momento em que estamos vivendo, com um presidente com pretensões golpistas e admirador dos velhos generais de extrema direita mantiveram uma ditadura de vinte anos no país. Zécarlos não e mais o jovem estudante de teatro que conhecemos na Fundaão das Artes de São Caetano e do Grupo Passárgada, mas continua o mesmo boa gente de sempre, mesmo com o sucesso que tem alcançado em trabalhos como a série Terapia, filmes como Elis Regina no papel do pai dela, várias novelas e minisséries pela Globo e outros.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

JOSÉ DE ARRUDA PENTEADO, UM EDUCADOR

Num dia desses  visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...

A ROCA DE FIAR

Sempre que visitava antiquários, gostava de ficar observando as antigas rocas de fiar e imaginando que uma delas poderia ter sido de uma das minhas bisavós e até fiquei tentado a comprar uma para deixá-la como relíquia lá em casa. Por sorte, uma amiga de longa data, a Luci, ligou um dia desses avisando que tinha um presente para nós, que ficaria muito bem em nossa casa. Para minha surpresa, era uma roca de fiar, muito antiga, que ela ganhou de presente. Seu patrão se desfez de uma fazenda e ofereceu a ela, entre outros objetos, uma roca, que ela gentilmente nos presenteou. Hoje uma centenária roca de fiar está presente em nossa casa e, além de servir como objeto de decoração, é a alegria do Tom, meu neto, que fica encantado ao girar a roda da roca. Para ele é um divertimento quando vem nos visitar e passa algumas horas em nossa companhia. Ele grita e ri de modo a ouvir-se de longe, como se a roca fosse a máquina do mundo. Recordo-me, quando criança, que minha mãe contava história...

BARRA DE SÃO JOÃO

Casa  onde Pancetti morou Em Barra de São João acontece de tudo e não acontece nada. As praias são de tombo e as ondas quebram violentamente na praia. Quase ninguém as freqüenta a não ser algum turista desavisado, preferencialmente os paulistas. Mas o lugarejo é tranqüilo, com ruazinhas arborizadas com velhas jaqueiras e com muitas primaveras nos jardins, dando uma sensação gostosa de paz e tranqüilidade há muito perdidas nas grandes metrópoles. Foi lá que nasceu o poeta Casimiro de Abreu e onde foi sepultado conforme seu último desejo. O seu túmulo está no cemitério da igreja, mas dizem que o corpo não está lá e que foi “roubado” na calada de uma das antigas noites do século dezenove. A casa do poeta, restaurada, fica às margens do Rio São João é hoje um museu onde um crânio humano está exposto e alguns afirmam que é do poeta dos “Meus Oito Anos”. Olhei severamente para o crânio e questionei como Shakespeare em Hamlet: “To be or not to be”, mas fiquei sem resposta. O cas...