Ruth Cardoso, mestre e doutora em Antropologia pela Universidade de São Paulo, com passagens como professora visitante em universidades americanas e europeias, detestava ser chamada de primeira-dama, invenção norte-americana que foi imitada pelo mundo ocidental. O papel da chamada primeira-dama basicamente é acompanhar o presidente nas viagens internacionais, nas recepções de autoridades estrangeiras no palácio do Planalto e outras atividades relacionadas. Ruth tinha vida própria e não queria ser apenas uma figura decorativa no centro do poder político.
Como professora, Ruth Villaça Correia Leite Cardoso, era extremamente dedicada aos seus alunos e orientandos. Estava sempre preocupada se estavam aprendendo. Gostava de discutir, conversar, ouvir os seus interlocutores, pois acreditava que ensinar era também uma forma de aprendizado.
Até então, havia a LBA, Legião Brasileira de Assistência, em geral coordenada pela mulher do presidente quando esta tinha disposição e capacidade para isso. Normalmente, elas deixavam por conta de assessores e só apareciam para as fotografias, quando não se envolviam em corrupção como o da era Collor. Ruth quis fazer a diferença e deixar sua marca através da criação do Programa Comunidade Solidária, uma nova política para as comunidades carentes com o envolvimento e participação da sociedade, mudando o velho paradigma de campanhas de agasalhos no inverno ou brinquedos e alimentos no Natal. A proposta da Comunidade Solidária, era criar condições para o desenvolvimento de atividades sustentáveis nas populações com carências, utilizando os recursos e expertises locais para o desenvolvimento de soluções para o crescimento e geração de renda. Além do desenvolvimento de atividades no contexto das economias criativas, focou também nos programas de alfabetização solidária.
No início ninguém entendia o que era a tal “comunidade solidária”, pois seria mais fácil distribuir comida e agasalhos de forma paternalista, ficando o papel da primeira-dama como a mãe dos pobres e desamparados, como a Evita Perón na Argentina, que ganhou naquele país, o status de uma santa protetora dos descamisados.
A professora Ruth rompeu com esse paradigma tradicional e uma das primeiras medidas do novo governo foi a extinção do órgão, que era um velho cabide de empregos do governo federal. Como antropóloga Ruth arregaçou as mangas e foi para os locais mais inusitados do Brasil profundo, visitou favelas, conversou com a comunidade e sentiu de perto seus anseios e dificuldades. Foi a aldeias indígenas, no interior do estado do Amazonas, amassando barro para chegar a locais quase inacessíveis, deixando a segurança em polvorosa. Essa era a Ruth Cardoso, uma pessoa gentil e carismática, que foi respeitada até pela oposição ao governo do seu marido. Ela ia ao cinema com os netos e recusava as mordomias do poder, pegando a fila para ingressos como qualquer cidadã.
Infelizmente, depois dela, o projeto Comunidade Solidária foi abandonado, como acontece sempre com os projetos e programas de governos que não elegem seus sucessores. Tudo o que foi dos outros é extinto, não importa se foi bom, se agregou valor para a sociedade. Mas a ideia permaneceu estimulando o surgimento no país de milhares de organizações não governamentais que atuam em vários campos em geral patrocinadas para própria sociedade civil.
Quando ela faleceu, eu estava em Manaus, avaliando uma universidade a serviço do MEC e senti como ela era respeitada no meio acadêmico, independentemente da ideologia. O nome da simpática professora nascida em Araraquara, filha de um contador e de uma professora de botânica, virou nome de praças, ruas, colégios, centros culturais, fazendo jus a intelectual que fez diferença na academia e na vida.
Num dia desses visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...
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