Pular para o conteúdo principal

A MISSA DO GALO REVISITADA

Muitos anos se passaram desde uma aula de literatura brasileira quando a professora trouxe uma cópia mimeografada do conto Missa do Galo, do Machado de Assis e me lembro como se fosse ontem. Depois da leitura rápida, preenchemos um questionário sobre a compreensão do texto. Eu gostei e muito do conto do velho bruxo do Engenho velho, mestre na ironia e nas insinuações.
Ainda hoje a figura da Dona Conceição, mexe com a minha imaginação. Uma mulher de uns trinta anos, magra que tinha uma certa leveza no andar, arrastando suavemente o corpo pela sala vestida com um roupão levemente solto no corpo.  O marido, como habitualmente fazia, dormia fora uma vez por semana na casa de uma amante. Pobre Conceição, aceitava de forma resignada à condição de mulher traída pelo marido que pouca atenção dedicava a ela.
O adolescente de dezessete anos aguardava um amigo que o chamaria para irem juntos à Missa do Galo na corte. Ele um caipira de Mangaratiba, queria saber como era a missa na capital do país, na igreja frequentada pelo Imperador e seus familiares. Enquanto esperava a hora de ir à missa, lia o romance de Dumas, Os três mosqueteiros, quando foi interpelado pela dona da casa onde passava uma temporada. No conto, a história termina com o amigo gritando do lado de fora: “A Missa do Galo!” e foi só.
Para mim, também um adolescente à época da leitura, a história era recheada de erotismo com uma mulher madura, seduzindo um jovem inexperiente com os hormônios a flor da pele. Depois de muita conversa, a solitária Conceição acabou por sentar-se ao lado do jovem e segurando suas mãos. Depois de um beijo, ela o convida à sua alcova, pedindo para não fazer barulho e assim não acordar sua mãe que tinha, como ela, o sono leve, levíssimo. O roupão apenas cobria uma leve camisola de seda que ao toque, encheu o rapaz de luxúria.
Mas o amigo acabara por chegar, bem antes da hora, atrapalhando a iniciação do jovem às artes do amor. Desesperado, troca-se rapidamente e desce as escadas em disparada para não fazer o amigo esperar. Durante a missa, a Conceição, quase desnuda, ficou o tempo todo entre ele e o padre por toda a cerimônia. Ao retornar, não conseguiu dormir, como também a Conceição.
A história terminaria por aí, pois no dia seguinte a esposa traída, manteve a postura de uma senhora de família, como se nada tivesse acontecido. O jovem hóspede retorna para Mangaratiba para passar o ano novo com a família e nunca mais vê a Dona Conceição com o seu andar suave, arrastando as cadeiras para lá e para cá, insinuando-se para o jovem.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

JOSÉ DE ARRUDA PENTEADO, UM EDUCADOR

Num dia desses  visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...

A ROCA DE FIAR

Sempre que visitava antiquários, gostava de ficar observando as antigas rocas de fiar e imaginando que uma delas poderia ter sido de uma das minhas bisavós e até fiquei tentado a comprar uma para deixá-la como relíquia lá em casa. Por sorte, uma amiga de longa data, a Luci, ligou um dia desses avisando que tinha um presente para nós, que ficaria muito bem em nossa casa. Para minha surpresa, era uma roca de fiar, muito antiga, que ela ganhou de presente. Seu patrão se desfez de uma fazenda e ofereceu a ela, entre outros objetos, uma roca, que ela gentilmente nos presenteou. Hoje uma centenária roca de fiar está presente em nossa casa e, além de servir como objeto de decoração, é a alegria do Tom, meu neto, que fica encantado ao girar a roda da roca. Para ele é um divertimento quando vem nos visitar e passa algumas horas em nossa companhia. Ele grita e ri de modo a ouvir-se de longe, como se a roca fosse a máquina do mundo. Recordo-me, quando criança, que minha mãe contava história...

BARRA DE SÃO JOÃO

Casa  onde Pancetti morou Em Barra de São João acontece de tudo e não acontece nada. As praias são de tombo e as ondas quebram violentamente na praia. Quase ninguém as freqüenta a não ser algum turista desavisado, preferencialmente os paulistas. Mas o lugarejo é tranqüilo, com ruazinhas arborizadas com velhas jaqueiras e com muitas primaveras nos jardins, dando uma sensação gostosa de paz e tranqüilidade há muito perdidas nas grandes metrópoles. Foi lá que nasceu o poeta Casimiro de Abreu e onde foi sepultado conforme seu último desejo. O seu túmulo está no cemitério da igreja, mas dizem que o corpo não está lá e que foi “roubado” na calada de uma das antigas noites do século dezenove. A casa do poeta, restaurada, fica às margens do Rio São João é hoje um museu onde um crânio humano está exposto e alguns afirmam que é do poeta dos “Meus Oito Anos”. Olhei severamente para o crânio e questionei como Shakespeare em Hamlet: “To be or not to be”, mas fiquei sem resposta. O cas...