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UMA MOÇA CHAMADA MARIA DAS GRAÇAS


E foi num dia desses que precisei passar pelo Cemitério das Lágrimas em São Caetano do Sul, onde meus pais e meu irmão estão sepultados para resolver uns pequenos reparos no túmulo da família. Bem próximo vi o túmulo dos Ceolin e para minha surpresa estava lá o nome da Maria das Graças Ceolin (da Silva).  Fiquei ali imaginando quanto tempo se passou desde a última vez que a vi. Havia ido à missa na igreja do bairro e a encontrei com uma amiga e acabei por acompanhá-las num show do Holiday on Ice no Estádio próximo à casa dela. Sai mais cedo do show e acabei nem me despedindo. Passou uma eternidade desde aquela noite. Maria se casou teve filhos e estava lá sepultada desde 2015. Sua história acabou mais cedo do que a minha. Para quem acredita, está no céu, como todas as pessoas boas. Para mim, mergulhou no silêncio eterno e só será lembrada pelos familiares e amigos.
Trabalhamos na mesma empresa, num escritório na Rua Santa Catarina no centro de São Caetano do Sul. Na época eu prestava o serviço militar de manhã, trabalhava e estudava a noite; uma vida corrida. Lá tive boas amizades como a Lucia Helena Zanardi, a própria Maria, Roberto Gonçalves e o velho Constantino DeNardi, funcionário mais velho e graduado, que nos acompanhava no chopinho das sextas-feiras.
Era um ambiente até agradável, se não fosse pelo chefe carrancudo, um homem obeso que fazia o papel do famoso Genival Paschoal, chefe do pessoal.  Ele tinha até uma placa sobre sua mesa, como se os seus funcionários fossem se esquecer o seu nome e cargo. O trabalho era duro, pois era entra um entra e sai de empregados que não acabava nunca. Via também muitas injustiças por parte da empresa, mas não se podia fazer nada. Mas por outro lado, tinha também o tesoureiro, seu Jordão Rozeira, uma figura muito simpática que ajudava amenizar o ambiente.
A Lúcia Helena, sem dúvida, a era a colega mais interessante do escritório. Inteligente, simpática incentivadora e descolada, não era uma beldade, mas era charmosa e elegante. Eu e o Roberto fomos algumas vezes à casa dela, onde saboreamos os bolos e guloseimas que sua mãe fazia com esmero. A Maria das Graças era uma das mais bonitas, mas bastante tímida, quase não falava. Na época ela cursava o Normal, pois tinha como objetivo de vida ser professora, o que de fato aconteceu.
Lembrei do meu irmão, também sepultado quase ao lado. O Nelson trabalhava na mesma empresa e descobri que ele tinha uma foto da Maria entre suas coisas, muitos anos após de ter saído do escritório. Ele acabou me confessando que tinha uma queda por ela, mas como era mais jovem, não teria chance alguma.  Havia ainda o fato de que na época, ela tinha um namorado ou uma paquera com um rapaz que eu conhecia do bairro.
Enfim, fiquei algum tempo olhando para a fotografia da Maria, lembrando do seu jeito de falar, do seu sorriso simpático e um pouco tímido e das rápidas conversas que tivemos. Realizou seu sonho de ser professora, ensinou crianças a ler e a escrever, casou-se, teve filhos e agora ficou apenas na memória dos familiares e amigos mais próximos. No epitáfio, escreveram que foi uma guerreira, provavelmente porque deve ter tido alguma doença grave e resistiu bravamente até os últimos momentos.

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