Aposto que apenas os poucos que
me leem conhecem Piedade, uma cidadezinha logo depois de Ibiúna, aquela que
ficou conhecida no final dos anos sessenta por abrigar o histórico congresso
nacional da UNE, em 1968. Na ocasião foram
presos mais de 600 estudantes, incluindo lideranças como José Dirceu e Luiz
Travassos. Foram os moradores de Ibiúna que telefonaram para a polícia,
denunciando o evento. Enquanto Ibiúna ganhou fama como a cidade que entregou os
estudantes, Piedade continuou no ostracismo, mas por pouco tempo.
Piedade fica a 30 quilômetros de
Ibiúna, com altitude de 781 metros e tem invernos bastante rigorosos, mas nada
que se assemelhe a famosa São Joaquim em Santa Catarina. Graças ao clima, lá se
produz caqui, maças, peras, cerejas, framboesas entre outras frutas, graças,
também, a contribuição das laboriosas colônias italianas, alemãs, suíças,
austríacas e japonesa. Mas em outros tempos, foi considerada a capital da
produção de cebola em nosso estado.
Foi por lá, também, que o
fabricante da famosa cama patente, instalou uma unidade fabril. A cama patente,
um produto genuinamente nacional, concepção original do imigrante espanhol
Celso Martinez Carrera em 1915. Tempos
depois, o imigrante italiano Luigi Liscio, patenteou a cama e obteve o direito
de exclusividade sobre o produto, ficando Martinez proibido de fabricá-la. A cama, pelo seu preço acessível, fez muito sucesso e o negócio se expandiu tanto, que ao redor da fábrica, em Piedade
foi construída uma vila operária, chamada Vila Élvio em homenagem ao filho do
empresário. Lá trabalhou quando jovem o falecido poeta José Delcy Thenório, pai do Edélcio. Ele lembrava com saudade desses tempos, mas lamentava a
destruição da floresta nativa para a exploração da madeira utilizada nas camas
Patente.
Como diria Manuel Bandeira, “Em
Piedade tem tudo, é outra civilização..”. Lá o carnaval é um dos mais criativos
de São Paulo, abrigando grandes autores de marchinhas. Em junho ocorrem as
serestas com composições de autores locais e declamações de poesias. Edélcio Thenório, poeta, compositor e artista
plástico nas horas vagas (que são poucas), é um dos compositores populares da
cidade. Ele não nasceu lá, mas sua família foi uma das pioneiras do vilarejo, fundado
em 1840 por tropeiros. O casal teve dois filhos e uma filha. Um dos filhos,
Iberê Thenório, é o idealizador do site Manual do Mundo, que conta com mais de
um milhão de acessos. Enfim,. o mundo
descobriu Piedade, a princesinha da Serra. Tal como a imaginária cidade Guacira
da famosa canção de Hekel Tavares e Joracy Camargo. ”...onde a lua pequenina, não encontra na colina,
nenhum lago para se olhar”.
A cidade não é a mesma que
conheci nos anos setenta. Meio acanhada, com ainda muitas construções do final
do século XIX, lembrava um pouco as cidades históricas do sul de Minas. A
economia pujante transformou a cidadezinha. Hoje ela abriga lojas sofisticadas,
agências dos principais bancos nacionais e, infelizmente, um trânsito de cidade
grande.
Foi lá que numa das minhas
visitas, encontrei uma vez a grande cantora e pesquisadora de folclore Inezita
Barroso com seu violão a tiracolo se apresentando no teatro local. Ela cantou a
famosa canção de Anacleto Rosas Jr, chamada Cavalo Preto que menciona Piedade em
seus versos. Dizem que foi apenas para rimar com cidade, mas para os antigos do
vilarejo, o autor por lá passou em tempos idos e se apaixonou pelo lugar, um
“pé de serra que nem Deus sabe onde está”.
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