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O CAÇADOR DE ÁGUAS


Meu pai, já maduro, descobriu-se um caçador de águas. Um alemão com quem trabalhava e que vivia metido em pesquisas sobre radestesia, o convenceu que ele tinha o dom para achar água.  Daí foi um passo para fazer a experiência e tentar descobrir pequenos lençóis freáticos com  alguns metros de profundidade.
Combinaram para tirar a prova num fim de semana e lá foram eles procurar água em um sítio nos arredores de São Paulo. O alemão preparou uma forquilha de goiabeira, segurou-a com as duas mãos, mantendo a ponta para cima e começou a caminhar em várias direções, conforme contava meu pai. De repente ele parou como se sentisse uma estranha sensação e chamou meu pai para ver. A forquilha envergava para baixo, forçando o homem a segurá-la com energia, como se ela quisesse penetrar no solo.
Ele deu a forquilha para o meu pai e ele também sentiu um enorme tranco, como se alguém a puxasse para baixo com grande energia. Aqui tem água, disse o alemão, e pode cavar o poço. Soube-se depois que com poucos metros de profundidade, jorrou água.
Tempos depois meu pai foi convidado por um amigo para testar seu dom para descobrir água em sua chácara. Ainda de calças curtas acompanhei o teste São Tomé e provar que ele não estava mentindo quando falava que já era um caçador de águas. O meu testemunho seria fundamental para acabar com as reticências de minha mãe.
A chácara ficava longe e demoramos quase duas horas para chegar ao local. Meu pai foi preparado com sua forquilha de goiabeira a tiracolo. Depois das preliminares e o cafezinho com bolo, o velho começou a sua labuta como caçador de água. Circundou por toda a chácara nos locais em que o proprietário indicava como os melhores para abrir um poço e nenhum sinal de água. O seu amigo já começou a dizer que esse negócio era superstição e já havia desistido da empreitada quando meu pai levantou-se com sua forquilha e saiu pelo terreno em uma área não prevista, que ficava na divisa com a propriedade vizinha. De repente sentiu o chamado das águas. A forquilha envergava fortemente para baixo como se alguém a puxasse. Pode cavar o poço que eu garanto que tem água, disse meu pai orgulhoso e seguro do que estava falando. O problema é que o poço deveria ser cavado na divisa da propriedade e houve a necessidade de uma negociação com o vizinho que concordou desde que pudesse compartilhar o poço.
 O amigo de meu pai contou que contratou um poceiro e que, após cavar apenas oito metros, deu com um belo veio de água cristalina. Com isso a fama de meu pai de mágico caçador de águas ficou consolidada. Ele acreditava que era um dom divino enquanto que o alemão, mais racionalista, dizia que era pura ciência e tentava explicar os mistérios da radestesia.
Contei a história para um geólogo, que deu um sorriso irônico, afirmando que não há provas científicas de que a radestesia  realmente funciona. Seus professores na Universidade de São Paulo tratavam o assunto como folclore, o que o deixou muito cético.  Verdade ou crendice popular? O que eu tenho certeza é que vi mais de uma vez a forquilha “mágica” funcionar nas mãos do meu velho, que era um homem muito honesto e até um tanto cético. De qualquer forma, para evitar maiores discussões, recorro ao velho e bom Shakespeare em Hamlet: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que pensa nossa vã filosofia”. Aliás, nesta frase, em todas as traduções, aparece a palavra “vã” antes de filosofia, o que não existe no original.  Tal como a radestesia, a tradução também tem lá os seus mistérios.
Renato Ladeia

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