Numa manhã ensolarada de primavera a campainha tocou. Era um casal bem apresentável. Ele de terno e gravata e ela vestida com uma saia e blusa bem combinadas. Pensei tratar-se de pregadores evangélicos, o que é muito comum nos fins de semana em meu bairro. Pediram-me um minuto de atenção. Dispus-me, educadamente, a ouví-los, considerando que estava de bom humor por causa do belo dia e pelas flores exuberantes do quintal. “Estamos fazendo uma oferta especial para pessoas de alto nível como o cidadão. Trata-se de um excelente lote no cemitério da Eternidade. É uma oportunidade única para pessoas que pensam no futuro”. Ao ouvir aquele discurso empolado e falso, desatei a rir. Tentei me conter, mas sem sucesso. O casal não entendeu nada e como não conseguia parar de rir, os dois deixaram um prospecto e foram embora, visivelmente irritados com a minha falta de cortesia.
Na realidade a frase do vendedor não tinha nada de engraçado, mas o fato é que me lembrei de uma pitoresca história contada por um tio, que era fazendeiro no interior de São Paulo. Contou-me ele, há bons tempos, que um dos colonos da fazenda apareceu para pedir-lhe um empréstimo para pagar um bom terreno que havia comprado. Meu tio quis saber mais detalhes sobre a compra, já que seu colono, um homem trabalhador e responsável, em breve o deixaria para trabalhar em sua própria terra. Mas para seu espanto, o inocente colono explicou que o terreno ficava a nada mais nada menos do que 384.405 quilômetros da terra, mais precisamente, na lua. A história se passou em 1969, logo depois da primeira viagem do homem ao satélite e um malandro resolveu aproveitar a oportunidade para fazer “bons negócios” com a repercussão do acontecimento.
Percebe o leitor que fiz uma analogia maluca entre um terreno no cemitério e um hipotético terreno na lua, o que não é de toda descabível. Um promete uma propriedade em um satélite estéril, sem atmosfera e sem água em estado líquido, cuja exploração era e ainda é impossível. O outro oferecia um terreno em que o futuro proprietário jamais tomaria posse em vida. Um investimento para um futuro sem futuro.
Meu tio, um protestante cético com relação à ciência e a tecnologia, não teve dúvidas. Pegou a sua velha espingarda de caça e, com a autoridade que lhe era conferida por ser inspetor de quarteirão, expulsou o malandro, não sem antes fazer com que devolvesse o que já tinha arrecado dos demais.
Quanto a mim, conformei-me que o negócio proposto pelo casal, apesar de funesto, era perfeitamente legal, já que numa sociedade capitalista, precisamos pagar por um pequeno pedaço de terra se quisermos ter um descanso relativamente eterno. Caso contrário a ossada é removida depois de algum tempo e despejada num depósito coletivo, chamado ossuário. Como nunca me preocupei com o que será feito do meu corpo após a morte, já deixei expressa a minha vontade de ser cremado com corpo, alma e tudo o mais que tiver direito para não correr o risco de voltar por aqui e incomodar amigos e parentes.
Renato Ladeia
Renato Ladeia
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