O CINE ÁTILA E O CINEMA PARADISO
Também tive o meu cinema Paradiso, mesmo sem os encantos e a poesia de uma pequena cidade italiana, onde o diretor Giuseppe Tornatore desenvolve sua trama. O filme traça a trajetória de um garoto apaixonado por cinema tendo por pano de fundo uma humilde sala de exibição nos anos cinqüenta. Ali se desenvolvem vários dramas humanos, conflitos de classe, choques culturais com a influência norte-americana através dos filmes, relações afetivas etc.
As minhas primeiras viagens ao mundo do cinema foram em um velho pulgueiro chamado Átila, na Vila Gerty, bairro periférico de São Caetano do Sul. Pulgueiro era como se designava os cinemas mal frequentados e não muito limpos. Lá, quase todos os domingos, eu ia com minhas irmãs mais velhas assistir às matinês. Era uma festa de emoções e surpresas. O aroma de pipoca embriagava minha mente inquieta enquanto aguardava na fila a abertura da porta que possibilitava a entrada no mundo dos sonhos. Eram duas sessões por um preço bem camarada. Na primeira eram exibidos os chamados seriados com os heróis da época: Rock Lane, Zorro, Hoppalang Cassidy, Roy Rogers entre outros. Às vezes também se exibia um filme de segunda linha, normalmente de curta duração. Aí vinha o intervalo, de quase meia hora, onde os espectadores aproveitavam para fumar um cigarrinho, tomar um refrigerante ou saborear uma guloseima. Os mais velhos aproveitam esse intervalo para fazer um footing pelos corredores, observando as garotas desacompanhadas. Um olhar, um sorriso ou uma piscada de olho, eram sinais para fazer um primeiro contato e quem sabe assistir à segunda sessão de mãos dadas. Quanta emoção!
Cresci indo nas matinês do cine Átila até que o proprietário construiu outro cinema mais próximo de minha casa, com o nome de Real. Esse era mais amplo, com corredores largos, o que permitia um footing mais confortável. Foi lá também que assisti a primeira sessão de cinema de mãos dadas com alguma garota. Também o primeiro beijo e a primeira expulsão por comportamento inconveniente. O lanterninha era uma figura sinistra e temível e tinha poderes absolutos sobre os pobres adolescentes que se limitavam a obedecer as suas ordens. Antes da expulsão, vinha também um “sabão” do dono do cinema que perguntava o nome dos pais para possíveis comunicações que nunca ocorriam.
Uma vez por ano, na semana santa, uma velha produção mexicana da Paixão de Cristo, cheia de emendas, era exibida com casa cheia. Eu já sabia quase de memória as falas, mas todos choravam com a crueldade dos romanos com o pobre Cristo. No final da sessão observava as pessoas com os olhos inchados e vermelhos. Quando criança sempre pensava que pudesse acontecer alguma coisa que impedisse a perversidade dos soldados, mas a história era sempre a mesma e acabava na crucificação. Algum tempo depois assisti Ben-Hur, herói romano que se aproximava de Cristo em uma das cenas e perguntava-lhe se poderia fazer algo por ele. Cristo, obviamente, recusava a ajuda, alegando que seu sofrimento era necessário para salvar a humanidade dos seus pecados. Sinceramente nunca entendi isso e até hoje não sei se a humanidade realmente precisa ser salva de alguma coisa.
Poucas vezes prestava atenção nos filmes na adolescência, pois nesta época mais focado nas possíveis conquistas amorosas do que nos espetáculos. Mas alguns filmes marcaram minha memória, como Um lugar ao sol, com Elizabeth Taylor e Montgomery Clift que foi inesquecível. Foi um filme chocante, em que um jovem em busca da ascensão social assassina a namorada pobre e grávida. Outros foram os filmes do Hitchcock, como um corpo que cai e Janela Indiscreta, Psicose e os bons faroestes de John Ford com John Wayne. Eram filmes antigos que eram reprisados nos cinemas de bairro por várias vezes. Os lançamentos somente ocorriam nos cinemas do centro, como o Vitória e Max. Lembro-me de um filme grego, que numa cena, aparecia um sujeito transando com uma mulher bem mais velha. Ao ser gozado pelos amigos, ele saiu com essa: “Galinha quanto mais velha, melhor o caldo”. Achei a frase o máximo e um dia resolvi utilizá-la ao me referir a uma dona da nossa rua. Minha mãe ouviu e não gostou nada da brincadeira e fui premiado com pimenta malagueta na boca para não mais esquecer.
Por essa e por outras, o filme Cinema Paradiso foi um filme que deixou saudades e não sei por que razão ele não está entre os cem filmes essenciais da revista Bravo. Uma gafe imperdoável.
Também tive o meu cinema Paradiso, mesmo sem os encantos e a poesia de uma pequena cidade italiana, onde o diretor Giuseppe Tornatore desenvolve sua trama. O filme traça a trajetória de um garoto apaixonado por cinema tendo por pano de fundo uma humilde sala de exibição nos anos cinqüenta. Ali se desenvolvem vários dramas humanos, conflitos de classe, choques culturais com a influência norte-americana através dos filmes, relações afetivas etc.
As minhas primeiras viagens ao mundo do cinema foram em um velho pulgueiro chamado Átila, na Vila Gerty, bairro periférico de São Caetano do Sul. Pulgueiro era como se designava os cinemas mal frequentados e não muito limpos. Lá, quase todos os domingos, eu ia com minhas irmãs mais velhas assistir às matinês. Era uma festa de emoções e surpresas. O aroma de pipoca embriagava minha mente inquieta enquanto aguardava na fila a abertura da porta que possibilitava a entrada no mundo dos sonhos. Eram duas sessões por um preço bem camarada. Na primeira eram exibidos os chamados seriados com os heróis da época: Rock Lane, Zorro, Hoppalang Cassidy, Roy Rogers entre outros. Às vezes também se exibia um filme de segunda linha, normalmente de curta duração. Aí vinha o intervalo, de quase meia hora, onde os espectadores aproveitavam para fumar um cigarrinho, tomar um refrigerante ou saborear uma guloseima. Os mais velhos aproveitam esse intervalo para fazer um footing pelos corredores, observando as garotas desacompanhadas. Um olhar, um sorriso ou uma piscada de olho, eram sinais para fazer um primeiro contato e quem sabe assistir à segunda sessão de mãos dadas. Quanta emoção!
Cresci indo nas matinês do cine Átila até que o proprietário construiu outro cinema mais próximo de minha casa, com o nome de Real. Esse era mais amplo, com corredores largos, o que permitia um footing mais confortável. Foi lá também que assisti a primeira sessão de cinema de mãos dadas com alguma garota. Também o primeiro beijo e a primeira expulsão por comportamento inconveniente. O lanterninha era uma figura sinistra e temível e tinha poderes absolutos sobre os pobres adolescentes que se limitavam a obedecer as suas ordens. Antes da expulsão, vinha também um “sabão” do dono do cinema que perguntava o nome dos pais para possíveis comunicações que nunca ocorriam.
Uma vez por ano, na semana santa, uma velha produção mexicana da Paixão de Cristo, cheia de emendas, era exibida com casa cheia. Eu já sabia quase de memória as falas, mas todos choravam com a crueldade dos romanos com o pobre Cristo. No final da sessão observava as pessoas com os olhos inchados e vermelhos. Quando criança sempre pensava que pudesse acontecer alguma coisa que impedisse a perversidade dos soldados, mas a história era sempre a mesma e acabava na crucificação. Algum tempo depois assisti Ben-Hur, herói romano que se aproximava de Cristo em uma das cenas e perguntava-lhe se poderia fazer algo por ele. Cristo, obviamente, recusava a ajuda, alegando que seu sofrimento era necessário para salvar a humanidade dos seus pecados. Sinceramente nunca entendi isso e até hoje não sei se a humanidade realmente precisa ser salva de alguma coisa.
Poucas vezes prestava atenção nos filmes na adolescência, pois nesta época mais focado nas possíveis conquistas amorosas do que nos espetáculos. Mas alguns filmes marcaram minha memória, como Um lugar ao sol, com Elizabeth Taylor e Montgomery Clift que foi inesquecível. Foi um filme chocante, em que um jovem em busca da ascensão social assassina a namorada pobre e grávida. Outros foram os filmes do Hitchcock, como um corpo que cai e Janela Indiscreta, Psicose e os bons faroestes de John Ford com John Wayne. Eram filmes antigos que eram reprisados nos cinemas de bairro por várias vezes. Os lançamentos somente ocorriam nos cinemas do centro, como o Vitória e Max. Lembro-me de um filme grego, que numa cena, aparecia um sujeito transando com uma mulher bem mais velha. Ao ser gozado pelos amigos, ele saiu com essa: “Galinha quanto mais velha, melhor o caldo”. Achei a frase o máximo e um dia resolvi utilizá-la ao me referir a uma dona da nossa rua. Minha mãe ouviu e não gostou nada da brincadeira e fui premiado com pimenta malagueta na boca para não mais esquecer.
Por essa e por outras, o filme Cinema Paradiso foi um filme que deixou saudades e não sei por que razão ele não está entre os cem filmes essenciais da revista Bravo. Uma gafe imperdoável.
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