Não há nada mais extraordinário e complexo do que a memória. Somos um imenso arquivo de idéias, fatos, imagens, rancores, alegrias, odores, sons, músicas, conhecimentos, enfim, tudo o que podemos registrar através dos nossos sentidos. Ao longo de uma existência vamos construindo uma imensa biblioteca virtual. É realmente um mundo fantástico. Nossa capacidade memorizar parece ser infinita, mas com o passar dos anos, vamos gradativamente perdendo essa dádiva que a vida nos dá.
Sem memória não somos nada. É a memória que possibilita a nossa existência como “homo-sapiens” e que tornou o ser humano um animal dominante, presente em todos os espaços do planeta. Nós somos, concretamente, a nossa memória, que foi agregando ao longo de nossa existência, a capacidade de ler, escrever, recordar informações, fatos, imagens, odores, alegrias, tristezas etc.
Aos poucos, com o avançar da idade vamos esquecendo nomes de pessoas conhecidas com as quais temos contatos menos frequentes. Nomes de artistas, cantores, compositores, escritores, filmes e livros desaparecem de nosso arquivo e, para resgatá-los, é preciso vasculhá-lo sem muita pressa para que possamos colocá-los em pauta novamente. Às vezes demoramos horas ou mesmo dias para recuperá-los. Parecem que estão na “ponta da língua”, mas a palavra não aparece.
Tudo se inicia com a amnésia anterógrada, quando começamos a esquecer nomes próprios e as lembranças mais próximas: onde foi mesmo que deixei o meu relógio? Depois vem a amnésia anterorretrógrada, em que os acontecimentos dos últimos meses e anos. Finalmente vem a amnésia retrógrada que apaga todas as lembranças de uma vida inteira. Esta é a situação mais triste, pois se perde a identidade como pessoa.
Minha mãe, com 84 anos, lembra-se de poucas coisas ou quase nada do que acontece durante o dia ou durante a semana. Confunde quem são os netos e de quem eles são filhos. Esquece se almoçou ou tomou o café da manhã. Os filhos, os netos, passam a ser vagas lembranças. Os mais assíduos nos últimos anos são um pouco mais lembrados. Os que ficaram mais distantes perderam a primazia da lembrança. A falta de memória afeta até o sofrimento, que parece ser bem menor quando ocorrem perdas. Neste caso, menos mal, pois ela sofre menos.
Halbwachs escreveu em Memória Coletiva que a nossa memória é também construída com as lembranças do passado com contribuições do presente. Assim, nem sempre a memória seria real, pois pode incorporar elementos que a pessoa não viveu ou presenciou. Ele tinha razão, pois já percebi que minha mãe e outras pessoas se lembram de coisas que não aconteceram realmente da forma como contam. Misturam fatos com opiniões ou outros acontecimentos com uma coerência que sugere serem verdadeiras as lembranças, mas para quem presenciou de fato, parecem colagens. Sobre isso, o cineasta Luis Buñuel nos lembra em seu livro “Meu último suspiro”, que nossa memória é invadida sempre pela imaginação e o devaneio, e, como existe uma tentação de crer na realidade do imaginário, acabamos por tornar nossa mentira em uma verdade.
Existem também pessoas mitomaníacas, que tem uma propensão doentia à mentira que criam tantas fantasias que acabam acreditando em suas histórias como verdadeiras, por mais absurdas ou inverossímeis que possam ser. Esse tipo de gente gasta muito tempo construindo informações para justificar as suas invenções e muitas vezes caem em contradição. Mas isso não faz com que mudem o hábito.
Será que um dia a tecnologia conseguirá resgatar preciosas memórias através da inteligência artificial? Afirmam os especialistas como Kurzweil, que num tempo não muito distante as inteligências de pessoas de mentes brilhantes poderão ser preservadas e continuarão funcionando eternamente mesmo após os seus corpos terem desaparecido. O lado bom é que um Einstein poderia continuar desenvolvendo teorias infinitamente ou um Tom Jobim poderia compor suas canções para todo o sempre. O lado cruel é que ninguém mais precisará pensar ou criar.
Renato Ladeia
Sem memória não somos nada. É a memória que possibilita a nossa existência como “homo-sapiens” e que tornou o ser humano um animal dominante, presente em todos os espaços do planeta. Nós somos, concretamente, a nossa memória, que foi agregando ao longo de nossa existência, a capacidade de ler, escrever, recordar informações, fatos, imagens, odores, alegrias, tristezas etc.
Aos poucos, com o avançar da idade vamos esquecendo nomes de pessoas conhecidas com as quais temos contatos menos frequentes. Nomes de artistas, cantores, compositores, escritores, filmes e livros desaparecem de nosso arquivo e, para resgatá-los, é preciso vasculhá-lo sem muita pressa para que possamos colocá-los em pauta novamente. Às vezes demoramos horas ou mesmo dias para recuperá-los. Parecem que estão na “ponta da língua”, mas a palavra não aparece.
Tudo se inicia com a amnésia anterógrada, quando começamos a esquecer nomes próprios e as lembranças mais próximas: onde foi mesmo que deixei o meu relógio? Depois vem a amnésia anterorretrógrada, em que os acontecimentos dos últimos meses e anos. Finalmente vem a amnésia retrógrada que apaga todas as lembranças de uma vida inteira. Esta é a situação mais triste, pois se perde a identidade como pessoa.
Minha mãe, com 84 anos, lembra-se de poucas coisas ou quase nada do que acontece durante o dia ou durante a semana. Confunde quem são os netos e de quem eles são filhos. Esquece se almoçou ou tomou o café da manhã. Os filhos, os netos, passam a ser vagas lembranças. Os mais assíduos nos últimos anos são um pouco mais lembrados. Os que ficaram mais distantes perderam a primazia da lembrança. A falta de memória afeta até o sofrimento, que parece ser bem menor quando ocorrem perdas. Neste caso, menos mal, pois ela sofre menos.
Halbwachs escreveu em Memória Coletiva que a nossa memória é também construída com as lembranças do passado com contribuições do presente. Assim, nem sempre a memória seria real, pois pode incorporar elementos que a pessoa não viveu ou presenciou. Ele tinha razão, pois já percebi que minha mãe e outras pessoas se lembram de coisas que não aconteceram realmente da forma como contam. Misturam fatos com opiniões ou outros acontecimentos com uma coerência que sugere serem verdadeiras as lembranças, mas para quem presenciou de fato, parecem colagens. Sobre isso, o cineasta Luis Buñuel nos lembra em seu livro “Meu último suspiro”, que nossa memória é invadida sempre pela imaginação e o devaneio, e, como existe uma tentação de crer na realidade do imaginário, acabamos por tornar nossa mentira em uma verdade.
Existem também pessoas mitomaníacas, que tem uma propensão doentia à mentira que criam tantas fantasias que acabam acreditando em suas histórias como verdadeiras, por mais absurdas ou inverossímeis que possam ser. Esse tipo de gente gasta muito tempo construindo informações para justificar as suas invenções e muitas vezes caem em contradição. Mas isso não faz com que mudem o hábito.
Será que um dia a tecnologia conseguirá resgatar preciosas memórias através da inteligência artificial? Afirmam os especialistas como Kurzweil, que num tempo não muito distante as inteligências de pessoas de mentes brilhantes poderão ser preservadas e continuarão funcionando eternamente mesmo após os seus corpos terem desaparecido. O lado bom é que um Einstein poderia continuar desenvolvendo teorias infinitamente ou um Tom Jobim poderia compor suas canções para todo o sempre. O lado cruel é que ninguém mais precisará pensar ou criar.
Renato Ladeia
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