O velho Thenório, com os seus cabelos brancos encaracolados e seu sorriso simpático, pitava o seu cigarro de palha e de vez em quando tomava um trago de cachaça à base de pitanga, que ele mesmo preparava. Sentado ao lado da lareira, observava o movimento dos cães e das pessoas que circulavam pela casa, quase sempre com visitas que vinham para ouvir os seus velhos causos ou ouvi-lo tocar violão e cantar as suas belas canções. “As canções são eternas. Depois que caem no domínio público, alcançam a eternidade. A mesma sorte não tem a literatura e tampouco a pintura. A pintura é efêmera como os bambus”, dizia para uma pequena platéia atenta e interessada em ouvir os seus comentários.
Ao falar sobre pintura, uma mulher que o visitava e que estava olhando um pequeno quadro na parede, perguntou: “Onde o senhor conseguiu este quadro?”. Era uma pequena pintura a óleo de um velho amigo que há tempos não via e nem sabia se ainda vivo estava. Thenório levantou-se e reviu o quadro empoeirado e já desgastado pela umidade e pelas traças. Demorou-se para se lembrar do quadro e sobre o que representava. A memória já um pouco fraca, foi aos poucos emergindo em meio ao emaranhado escurecido da poeira do tempo. Era um antigo bar de beira de estrada, com duas portas pequenas e propagandas de antigas bebidas estão na parede desgastada pelo tempo. Era possível ver traços de pessoas na porta e dentro da bodega. O estabelecimento pertencia ao Xandóca, um caiçara que viveu na Barra do Una e era onde ele e sua antiga turma de estudantes acampavam pela praia ainda pouco frequentada do lugar. Lá o Saulo de Tarso, um talentoso cantor e instrumentista, tocava violão e a turma cantava belas canções até o dia amanhecer. Viajavam para lá em fins de semana prolongados e se esqueciam da vida, das responsabilidades, dos empregos, das dívidas, dos trabalhos escolares e de horários. Lá se vivia numa liberdade total, pelo menos até o dia do retorno, quando era preciso pegar a estrada e voltar para a neurose como se dizia na época.
Thenório viajou através do quadro e recordou-se do Xandóca, do Catraca, do Heitor, do Paco, todos personagens da Barra. A turma de estudantes era muito grande e nem sabia se todos ainda estavam vivos. Mas quando já estava começando a sentir nos pés o calor das areias claras da praia, a mulher o chamou à realidade para perguntar se ele conheceu o Xandóca, pois era seu primo e sua mãe havia nascido lá. Ela mesmo morou na Barra quando criança e naqueles tempos ia para lá a cavalo com sua família para visitá-lo, pois moravam numa cidade não muito distante do litoral. O velho Thenório ficou comovido e algumas lágrimas brotaram dos seus olhos maltratados pelo tempo. “Pois é, dona, não só conheci o bar como também o Xandóca, que vendia cerveja e cachaça fiado para gente. Fizemos muito partido alto para aquele caiçara. Esse quadro foi pintado por um dos amigos que ia para lá sempre com a gente. Não pintava por profissão, mas apenas para registrar alguns momentos da vida”, disse Thenório.
A mulher sentiu-se feliz ao rememorar com o anfitrião as velhas histórias da Barra do Uma, uma vila de pescadores que tinha seus encantos, com as casas simples, de paredes caiadas que faziam doer os olhos, as quais conviviam com algumas mansões a beira da praia. O bar do Xandóca era mais povão, muito simples e era utilizado pela população nativa e campistas. A mulher sentiu-se feliz por estar mais próxima do velho Thenório e por ter compartilhado pessoas, paisagens e acontecimentos que para ela pareciam tão distantes.
Com essa história, o velho Thenório refletiu que não somente as canções são eternas. As imagens também podem ser, mesmo que vivam apenas na memória das pessoas. Um pequeno quadro, sem grandes qualidades artísticas, foi capaz de resgatar velhas lembranças e unir pessoas que pareciam tão distantes. O pincel como a pena, são a lingua da alma, como diria Dom Quixote.
No dia seguinte ele tratou de limpar o quadro, por uma moldura nova e colocá-lo num lugar de destaque em sua casa. Queria que o quadro fosse visto todos os dias para não esquecer mais da querida turma e assim alimentar sua alma com as boas lembranças que o velho bar do Xandóca trouxe para suas retinas fatigadas. Quanto ao pintor, passou a madrugada tentando localizá-lo, mas os endereços e telefones mudaram. Quando os primeiros filetes de luz começaram a invadir sua casa ele percebeu que o tempo havia passado e teria que se contentar apenas com as velhas recordações, um quadro na parede e o aperto no coração que parecia doer, mas era de alegria.
Renato Ladeia
Ao falar sobre pintura, uma mulher que o visitava e que estava olhando um pequeno quadro na parede, perguntou: “Onde o senhor conseguiu este quadro?”. Era uma pequena pintura a óleo de um velho amigo que há tempos não via e nem sabia se ainda vivo estava. Thenório levantou-se e reviu o quadro empoeirado e já desgastado pela umidade e pelas traças. Demorou-se para se lembrar do quadro e sobre o que representava. A memória já um pouco fraca, foi aos poucos emergindo em meio ao emaranhado escurecido da poeira do tempo. Era um antigo bar de beira de estrada, com duas portas pequenas e propagandas de antigas bebidas estão na parede desgastada pelo tempo. Era possível ver traços de pessoas na porta e dentro da bodega. O estabelecimento pertencia ao Xandóca, um caiçara que viveu na Barra do Una e era onde ele e sua antiga turma de estudantes acampavam pela praia ainda pouco frequentada do lugar. Lá o Saulo de Tarso, um talentoso cantor e instrumentista, tocava violão e a turma cantava belas canções até o dia amanhecer. Viajavam para lá em fins de semana prolongados e se esqueciam da vida, das responsabilidades, dos empregos, das dívidas, dos trabalhos escolares e de horários. Lá se vivia numa liberdade total, pelo menos até o dia do retorno, quando era preciso pegar a estrada e voltar para a neurose como se dizia na época.
Thenório viajou através do quadro e recordou-se do Xandóca, do Catraca, do Heitor, do Paco, todos personagens da Barra. A turma de estudantes era muito grande e nem sabia se todos ainda estavam vivos. Mas quando já estava começando a sentir nos pés o calor das areias claras da praia, a mulher o chamou à realidade para perguntar se ele conheceu o Xandóca, pois era seu primo e sua mãe havia nascido lá. Ela mesmo morou na Barra quando criança e naqueles tempos ia para lá a cavalo com sua família para visitá-lo, pois moravam numa cidade não muito distante do litoral. O velho Thenório ficou comovido e algumas lágrimas brotaram dos seus olhos maltratados pelo tempo. “Pois é, dona, não só conheci o bar como também o Xandóca, que vendia cerveja e cachaça fiado para gente. Fizemos muito partido alto para aquele caiçara. Esse quadro foi pintado por um dos amigos que ia para lá sempre com a gente. Não pintava por profissão, mas apenas para registrar alguns momentos da vida”, disse Thenório.
A mulher sentiu-se feliz ao rememorar com o anfitrião as velhas histórias da Barra do Uma, uma vila de pescadores que tinha seus encantos, com as casas simples, de paredes caiadas que faziam doer os olhos, as quais conviviam com algumas mansões a beira da praia. O bar do Xandóca era mais povão, muito simples e era utilizado pela população nativa e campistas. A mulher sentiu-se feliz por estar mais próxima do velho Thenório e por ter compartilhado pessoas, paisagens e acontecimentos que para ela pareciam tão distantes.
Com essa história, o velho Thenório refletiu que não somente as canções são eternas. As imagens também podem ser, mesmo que vivam apenas na memória das pessoas. Um pequeno quadro, sem grandes qualidades artísticas, foi capaz de resgatar velhas lembranças e unir pessoas que pareciam tão distantes. O pincel como a pena, são a lingua da alma, como diria Dom Quixote.
No dia seguinte ele tratou de limpar o quadro, por uma moldura nova e colocá-lo num lugar de destaque em sua casa. Queria que o quadro fosse visto todos os dias para não esquecer mais da querida turma e assim alimentar sua alma com as boas lembranças que o velho bar do Xandóca trouxe para suas retinas fatigadas. Quanto ao pintor, passou a madrugada tentando localizá-lo, mas os endereços e telefones mudaram. Quando os primeiros filetes de luz começaram a invadir sua casa ele percebeu que o tempo havia passado e teria que se contentar apenas com as velhas recordações, um quadro na parede e o aperto no coração que parecia doer, mas era de alegria.
Renato Ladeia
É sempre um prazer ler suas palavras. Com sinceridade: emocionam-nos. Não saberemos onde habita a realidade e onde há nesgas de ficção. E o que importa? O que importa é a beleza dos caminhos e a arte com que você nos leva a essas viagens.
ResponderExcluirRenato, amigo querido,
ResponderExcluirComo pode alguém conseguir arrancar lágrimas desses meus olhos, também já cansados como do velho Thenório e tão saudosos quanto os dele?
Você conseguiu, Renato, e foi com o olhar embargado que, lendo sua crônica, viajei de volta ao passado e revi cada cena daquele tempo feliz que eu e a maioria das pessoas a quem você endereçou viveu.
Ah, como me lembro bem dos momentos de “repentes” ao som do violão do Saulo, onde em um deles eu e Thenório ficamos duelando por um tempo enorme na frente do bar do Xandóca, falando de todos, de tudo e da gente mesmo, até encerrar com muitas risadas, um grande abraço e o bucho cheio de cachaça. Ao anoitecer então, era uma poesia só no ar, um cheiro intenso de amizade impregnando todos nós e uma alegria indescritível tomando todo espaço, não permitindo nenhuma maldade e afastando todas as tristezas...
Ah, como me lembro, do velho Nésio e eu protegendo uma indiazinha da perseguição de malandros na noite...do japonês que foi pescar na maré baixa e na volta quase se afoga no rio Una. Todos nós estávamos tomando sol feito lagartos, deitados em uma enorme pedra, quando chegou o japonês e ficou parado sem saber o que fazer para atravessar o rio. Oferecemos ajuda e o japa nem olhou para nós e foi entrando na água...aí a correnteza derrubou o coitado e para não se afogar ele largou a sacola de peixes e o molinete importado que levava perdendo tudo nas águas do Una.
Esperamos até o japonês ir embora e sumir de vista e então mergulhamos todos à procura das coisas...Eu achei o molinete amarrado na sacola e naquela noite comemos muito peixe e o Rui ganhou uma ótima traia de pesca.
Pois é, Renato, isso é só um pouquinho das muitas aventuras vividas na Barra do Una e tão bem reavivadas pela sua maravilhosa crônica.
Obrigado, meu amigo,
Erasmão
Queridos Renato e Celinha
ResponderExcluirQue tempão sem falar (escrever) com voces.... Desde que comecei no meu novo emprego (como radiologista no Hospital Universitario de Copenhaguen ( Rigshospitalet, traduzindo ao "pé-da-letra", hospital do reino) tenho sido engolida pelo trabalho. Estou adorando meu trabalho com oncoradiologia, que é super interessante, mas mto duro, a luta diária contra o cancer, dias bons de vitórias, dias sofridos de derrota... Eu não entendo como as pessoas conseguem coordenar trabalho e filhos, é um grande milagre, admiro todos voces que o conseguem, eu saio do trabalho SUGADA....Só sobra para o básico do dia-a-dia (aqui não se tem empregada). O final de semana é a salvacão, mas é superestimado, uma vez que, sempre acho que dois dias vão ser suficientes para fazer tudo que não foi possível ser feito nos últimos dois anos... As vezes tenho aquela estranha sensacão de ....PAREM O MUNDO QUE EU QUERO DESCER!!!!!! Mas após duas noites bem dormidas, já acho que posso alcancar tudo, fazer tudo e, depois de alguns dias "correndo atrás do prejuízo", já estou pedindo o mundo para parar de novo.... Será que sou só eu? Será que isto é um fenomeno da nossa época atual? Será que apenas se deve ao fato de SE ESTAR VIVO???
Não tenho a menor idéia... Há meses estou querendo mandar por e-mail, as fotos que tirei com voces . Ainda não consegui sucesso no projeto, porque preciso achar alguém que conheca o sistema, Thomas não sabe, minhas amigas não sabem, os maridos e namorados delas não sabem... Ou talvez seja mais fácil falar não sei do que usar tempo com algo que não é do próprio interesse, o que eu entendo muito bem, afinal ñinguém tem tempo para nada mesmo, né? Em outubro estarei indo novamente ao Brasil de férias. Espero ter mandado as fotos antes disto, caso contrário, mostro ao vivo e a cores...
Como estão voces, Mari, Antonio? Ele já tem outra carinha desde que eu o vi, né? O tempo voa mesmo..
Renato, todas as vezes que leio suas cronicas, é como estar sentada aí com voces ouvindo voce contar os "causos".. Me sinto em casa. Se já falei isto antes, repito :suas cronicas são um presente para todos que as leem. Obrigada por estes maravilhosos presentes.
Tudo de bom para voces, muitos abracos e até breve...
Júnia
Queridos Renato e Celinha
ResponderExcluirQue tempão sem falar (escrever) com voces.... Desde que comecei no meu novo emprego (como radiologista no Hospital Universitario de Copenhaguen ( Rigshospitalet, traduzindo ao "pé-da-letra", hospital do reino) tenho sido engolida pelo trabalho. Estou adorando meu trabalho com oncoradiologia, que é super interessante, mas mto duro, a luta diária contra o cancer, dias bons de vitórias, dias sofridos de derrota... Eu não entendo como as pessoas conseguem coordenar trabalho e filhos, é um grande milagre, admiro todos voces que o conseguem, eu saio do trabalho SUGADA....Só sobra para o básico do dia-a-dia (aqui não se tem empregada). O final de semana é a salvacão, mas é superestimado, uma vez que, sempre acho que dois dias vão ser suficientes para fazer tudo que não foi possível ser feito nos últimos dois anos... As vezes tenho aquela estranha sensacão de ....PAREM O MUNDO QUE EU QUERO DESCER!!!!!! Mas após duas noites bem dormidas, já acho que posso alcancar tudo, fazer tudo e, depois de alguns dias "correndo atrás do prejuízo", já estou pedindo o mundo para parar de novo.... Será que sou só eu? Será que isto é um fenomeno da nossa época atual? Será que apenas se deve ao fato de SE ESTAR VIVO???
Não tenho a menor idéia... Há meses estou querendo mandar por e-mail, as fotos que tirei com voces . Ainda não consegui sucesso no projeto, porque preciso achar alguém que conheca o sistema, Thomas não sabe, minhas amigas não sabem, os maridos e namorados delas não sabem... Ou talvez seja mais fácil falar não sei do que usar tempo com algo que não é do próprio interesse, o que eu entendo muito bem, afinal ñinguém tem tempo para nada mesmo, né? Em outubro estarei indo novamente ao Brasil de férias. Espero ter mandado as fotos antes disto, caso contrário, mostro ao vivo e a cores...
Como estão voces, Mari, Antonio? Ele já tem outra carinha desde que eu o vi, né? O tempo voa mesmo..
Renato, todas as vezes que leio suas cronicas, é como estar sentada aí com voces ouvindo voce contar os "causos".. Me sinto em casa. Se já falei isto antes, repito :suas cronicas são um presente para todos que as leem. Obrigada por estes maravilhosos presentes.
Tudo de bom para voces, muitos abracos e até breve...
Júnia