Quando garoto pensava que o Johnny Alf fosse um pianista americano que tocava jazz aqui no Brasil. Depois vi que esse americanismo era fruto de uma época, do pós-guerra e da Guerra Fria, que alastrou a influência americana pelo continente. Pensava-se que para fazer sucesso era preciso ter um nome inglês. O português era, definitivamente, um idioma que não se encaixava muito bem no show-business da época. Alfredo José da Silva, carioca da Vila Izabel como Noel, não fugiu a regra. Negro, de origem muito humilde, órfão de pai, que morreu na Revolução de 1932 quando ele tinha três anos e com mãe empregada doméstica, escapou por pouco de destino que poderia ser o mesmo de milhões de jovens negros e pobres no Brasil. Teve a oportunidade de estudar piano erudito e isso mudou seu destino. Mas não foram apenas os clássicos que fizeram a sua cabeça. Também os grandes jazzistas como Gershwin e Cole Porter, através dos musicais americanos, tiveram influência notável em sua obra musical.
Tocando na noite carioca, descobriu o som bem brasileiro de compositores como Dorival Caymmi e aos poucos foi fundindo a formação erudita com jazzistas americanos e o nosso samba, tornando-se um dos precursores da Bossa Nova, considerada uma revolução cultural na música brasileira. Li também, em algum lugar, que o Dick Farney, cantor americanizado dos anos 50 ao ouvir Johnny Alf, teria dito: “Agora sim, eu posso cantar música brasileira”. O termo Bossa Nova se transformou num sucesso publicitário, sendo utilizado, não apenas em relação à música, mas também a roupas, cabelos, modo de falar, decoração etc. Em todas as camadas sociais o termo era a expressão da moda, da modernidade.
Mas o discreto e tímido Johnny Alf, apesar de ter sido um músico sofisticado, um grande letrista e cantor talentoso, não teve a mesma repercussão dos seus companheiros da noite carioca, como Tom Jobim, Carlos Lyra e João Gilberto. Aliás, dizem os cronistas da época que o Tom não perdia uma apresentação do Johnny Alf numa boate do Rio, tal era a sua admiração. Ficou na penumbra do show-business. Não saiu do Brasil, o que poderia ter mudado o seu futuro. Ao contrário, optou pelo recolhimento, mudando-se para São Paulo e afastando-se dos bares boêmios da noite carioca, o que poderia ter-lhe dado maior visibilidade.
Nos anos noventa, Célia Mattoso, minha mulher, professora de música, descobriu que ele residia na Mooca, onde ela havia nascido e morado. Conseguiu seu endereço e o convidou para vir a São Bernardo, no ABC, para tocar com as suas crianças que se iniciavam na música. Muito simpático e solícito, ele topou na hora. Na escolinha, Johnny conversou, tocou, riu e brincou com as crianças, demonstrando um grande prazer em participar do encontro. Ele ao piano, as crianças na flauta doce, interpretaram suas canções mais conhecidas como: Fim de semana em Eldorado, Eu e a brisa, O que é amar, Nós, entre tantas outras. O encontro para ele foi tão prazeroso e emocionante que dias depois ele ligou para a Célia avisando que havia feito um presente para ela (aniversário) e as crianças: uma peça musical com duas vozes: piano e flauta, com as seguintes dedicatórias:
Criançada e Célia: Vamos em frente porque o Tom é nosso! Johnny Alf, SP, 30/11/1997” e “ Com amor e carinho do Johnny Alf, SP. 30/11/1997”
A peça musical foi na época executada na apresentação de fim ano e o autor foi o convidado de honra, mas infelizmente, por compromissos pessoais, não pode ir. Numa outra ocasião acompanhei a Célia e minha filha, hoje a cantora e compositora Mariane Mattoso, numa visita à sua casa no bairro da Mooca. Seu apartamento era muito simples e ficava na parte superior de um estabelecimento comercial. Johnny nos recebeu timidamente, mas demonstrou bastante interesse em conversar sobre música e seu trabalho. Foi mostrado a ele um vídeo da apresentação dos alunos da escola, entre eles, a Mariane cantando uma de suas músicas, “O que é amar”. Sem demora, abriu o piano e resolveu acompanhá-la ao vivo. Ficou emocionado ao acompanhar uma garota cantando sua música, o que provava que seu trabalho continuava vivo e presente. Comentou ainda que ela tinha sido a única intérprete que não havia desafinado numa determinada passagem da música.
Nesta visita ganhamos de presente, ainda inédito, uma fita k7 do seu último disco, interpretando Noel Rosa. Ao dar a fita disse: “Ouçam e depois me digam o que acharam do velho Johnny Alf cantando o Gago Apaixonado”. Na volta, colocamos a fita k7 no toca-fitas do carro e depois de ouvir o Gago, a Célia telefonou no caminho mesmo: “Johnny, o disco está o máximo e adoramos o Gago Apaixonado na sua voz”.
A Célia o visitou algumas vezes, sempre levando uns docinhos e pães frescos, que ele adorava, muitas vezes acompanhada dos músicos da escola, como o saxofonista David Del Dono Filho. Numa das visitas ele se antecipou e comprou ele mesmo os doces para recebê-la.
Johnny era também apaixonado por cinema o que era visível em seu apartamento, com uma imensa coleção de filmes de todos os gêneros, que ocupava quase toda a sua sala. “É a minha diversão”, disse ele, pois não tinha muitos shows para fazer. No grande acervo notei exemplares dos antigos musicais americanos que ele curtiu quando descobriu o jazz.
Soubemos, tempos depois, de sua internação no Hospital Mario Covas, através do Dr. Milton Borrelli, um grande admirador do Johnny e, em seguida, numa casa de repouso em Santo André, quando a Célia também foi visitá-lo, levando-lhe doces e uma blusa de lã, pois estava muito frio. Como de hábito, ele a recebeu com muita atenção e carinho, sempre perguntando pelas crianças. Mas ele já estava com diabetes e disse: “Célia, a blusa eu gostei, mas os doces, infelizmente, você vai levar de volta”.
Johnny Alf morreu sem ter tido o reconhecimento que ele merecia, apoiado por alguns poucos amigos e admiradores, sem o glamour de outras estrelas da música popular brasileira, mas um compositor inesquecível, pelas melodias marcadas pela sofisticação e beleza harmônica. Era também um letrista de talento, como podem atestar canções como Eu e a brisa.
Quero crer que nos últimos momentos de sua vida, tenha vindo à sua mente a letra de sua mais famosa canção: “Ah! se a juventude que esta brisa canta, ficasse aqui comigo mais um pouco. Eu poderia esquecer a dor. De ser tão só, prá ser um sonho...”. Mas a brisa se foi e ficou apenas a dimensão dos sonhos. Johnny Alf morreu pobre, mas sempre apoiado por amigos e admiradores. Suas canções permanecerão vivas na memória dos amantes da boa música e continuarão influenciando as futuras gerações de compositores porque sua obra é imortal.
Renato Ladeia
Tocando na noite carioca, descobriu o som bem brasileiro de compositores como Dorival Caymmi e aos poucos foi fundindo a formação erudita com jazzistas americanos e o nosso samba, tornando-se um dos precursores da Bossa Nova, considerada uma revolução cultural na música brasileira. Li também, em algum lugar, que o Dick Farney, cantor americanizado dos anos 50 ao ouvir Johnny Alf, teria dito: “Agora sim, eu posso cantar música brasileira”. O termo Bossa Nova se transformou num sucesso publicitário, sendo utilizado, não apenas em relação à música, mas também a roupas, cabelos, modo de falar, decoração etc. Em todas as camadas sociais o termo era a expressão da moda, da modernidade.
Mas o discreto e tímido Johnny Alf, apesar de ter sido um músico sofisticado, um grande letrista e cantor talentoso, não teve a mesma repercussão dos seus companheiros da noite carioca, como Tom Jobim, Carlos Lyra e João Gilberto. Aliás, dizem os cronistas da época que o Tom não perdia uma apresentação do Johnny Alf numa boate do Rio, tal era a sua admiração. Ficou na penumbra do show-business. Não saiu do Brasil, o que poderia ter mudado o seu futuro. Ao contrário, optou pelo recolhimento, mudando-se para São Paulo e afastando-se dos bares boêmios da noite carioca, o que poderia ter-lhe dado maior visibilidade.
Nos anos noventa, Célia Mattoso, minha mulher, professora de música, descobriu que ele residia na Mooca, onde ela havia nascido e morado. Conseguiu seu endereço e o convidou para vir a São Bernardo, no ABC, para tocar com as suas crianças que se iniciavam na música. Muito simpático e solícito, ele topou na hora. Na escolinha, Johnny conversou, tocou, riu e brincou com as crianças, demonstrando um grande prazer em participar do encontro. Ele ao piano, as crianças na flauta doce, interpretaram suas canções mais conhecidas como: Fim de semana em Eldorado, Eu e a brisa, O que é amar, Nós, entre tantas outras. O encontro para ele foi tão prazeroso e emocionante que dias depois ele ligou para a Célia avisando que havia feito um presente para ela (aniversário) e as crianças: uma peça musical com duas vozes: piano e flauta, com as seguintes dedicatórias:
Criançada e Célia: Vamos em frente porque o Tom é nosso! Johnny Alf, SP, 30/11/1997” e “ Com amor e carinho do Johnny Alf, SP. 30/11/1997”
A peça musical foi na época executada na apresentação de fim ano e o autor foi o convidado de honra, mas infelizmente, por compromissos pessoais, não pode ir. Numa outra ocasião acompanhei a Célia e minha filha, hoje a cantora e compositora Mariane Mattoso, numa visita à sua casa no bairro da Mooca. Seu apartamento era muito simples e ficava na parte superior de um estabelecimento comercial. Johnny nos recebeu timidamente, mas demonstrou bastante interesse em conversar sobre música e seu trabalho. Foi mostrado a ele um vídeo da apresentação dos alunos da escola, entre eles, a Mariane cantando uma de suas músicas, “O que é amar”. Sem demora, abriu o piano e resolveu acompanhá-la ao vivo. Ficou emocionado ao acompanhar uma garota cantando sua música, o que provava que seu trabalho continuava vivo e presente. Comentou ainda que ela tinha sido a única intérprete que não havia desafinado numa determinada passagem da música.
Nesta visita ganhamos de presente, ainda inédito, uma fita k7 do seu último disco, interpretando Noel Rosa. Ao dar a fita disse: “Ouçam e depois me digam o que acharam do velho Johnny Alf cantando o Gago Apaixonado”. Na volta, colocamos a fita k7 no toca-fitas do carro e depois de ouvir o Gago, a Célia telefonou no caminho mesmo: “Johnny, o disco está o máximo e adoramos o Gago Apaixonado na sua voz”.
A Célia o visitou algumas vezes, sempre levando uns docinhos e pães frescos, que ele adorava, muitas vezes acompanhada dos músicos da escola, como o saxofonista David Del Dono Filho. Numa das visitas ele se antecipou e comprou ele mesmo os doces para recebê-la.
Johnny era também apaixonado por cinema o que era visível em seu apartamento, com uma imensa coleção de filmes de todos os gêneros, que ocupava quase toda a sua sala. “É a minha diversão”, disse ele, pois não tinha muitos shows para fazer. No grande acervo notei exemplares dos antigos musicais americanos que ele curtiu quando descobriu o jazz.
Soubemos, tempos depois, de sua internação no Hospital Mario Covas, através do Dr. Milton Borrelli, um grande admirador do Johnny e, em seguida, numa casa de repouso em Santo André, quando a Célia também foi visitá-lo, levando-lhe doces e uma blusa de lã, pois estava muito frio. Como de hábito, ele a recebeu com muita atenção e carinho, sempre perguntando pelas crianças. Mas ele já estava com diabetes e disse: “Célia, a blusa eu gostei, mas os doces, infelizmente, você vai levar de volta”.
Johnny Alf morreu sem ter tido o reconhecimento que ele merecia, apoiado por alguns poucos amigos e admiradores, sem o glamour de outras estrelas da música popular brasileira, mas um compositor inesquecível, pelas melodias marcadas pela sofisticação e beleza harmônica. Era também um letrista de talento, como podem atestar canções como Eu e a brisa.
Quero crer que nos últimos momentos de sua vida, tenha vindo à sua mente a letra de sua mais famosa canção: “Ah! se a juventude que esta brisa canta, ficasse aqui comigo mais um pouco. Eu poderia esquecer a dor. De ser tão só, prá ser um sonho...”. Mas a brisa se foi e ficou apenas a dimensão dos sonhos. Johnny Alf morreu pobre, mas sempre apoiado por amigos e admiradores. Suas canções permanecerão vivas na memória dos amantes da boa música e continuarão influenciando as futuras gerações de compositores porque sua obra é imortal.
Renato Ladeia
Quando soube da morte do Jpohny me lembrei imediatamente da Célia. Não sabia que a relação de vocês com ele estava assim tão desenvolvida, mas isto são outros papos.
ResponderExcluirNão se preocupem - Célia e
Renato - o Johny sempre foi lembrado por poucos e será lembrado por sua sensibilidade e seu jeitinho tímido de ser.
Li emocionado este artigo. Johnny Alf fez parte da minha vida desde a infância. Perdemos um verdadeiro sui generis. Brigadão, Renato. E obrigado aos Ladeia de Oliveira por terem amparado esse ídolo celestial em seus difíceis momentos.
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