Eu não sei se o que trago no peito
É ciúme, despeito, amizade ou horror
Eu só sei que quando eu a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor
O crime de Lindembergue Alves, que assassinou sua ex-namorada Eloá e feriu gravemente a amiga dela, Mayara, me fizeram lembrar dos versos do grande compositor gaúcho, Lupicínio Rodrigues, que foi classificado como shakesperiano por Augusto de Campos. O moço não sabia, tal como o poeta, o que ele trazia no peito, depois do fim de uma relação afetiva. O poeta, como diria Fernando Pessoa, é um fingidor, mas o amante nem sempre consegue sublimar a sua dor através da poesia ou outra forma não violenta. O desejo de morte ou de dor tomou conta do rapaz que não viu alternativa, a não ser mostrar para a jovem todo o seu sofrimento, ficando exposto ao risco de perder a vida e levá-la para o mesmo caminho.
A relação tinha tudo para não dar certo. Ele com vinte e dois anos e ela com quinze. Ele, um garoto mal amado que procurava na família da namorada um aconchego que nunca teve sendo órfão de pai vivo. A proximidade com a família da menina, de apenas doze anos, quando iniciaram o namoro, criou o envolvimento. Ouvi muita gente dizer que seria um caso de pedofilia. Há aí um pouco de preconceito e moralismo. Nossas avós e bisavós etc se casavam após o início do ciclo menstrual, com doze ou treze anos. O mundo mudou, principalmente para as classes mais abastadas, mas nos confins do Brasil a infância de muitas meninas é, ainda hoje, interrompida pelo casamento, trabalho e, lamentavelmente, pela prostituição. Como eu disse, o mundo mudou e hoje as meninas, morando nas grandes cidades, chegam a visualizar um futuro diferente e ainda podem se dar ao luxo (Luxo?) de pensar em estudar (como foi o caso da Eloá, que estava reunida com colegas de escola para fazer um trabalho), ir às baladas, shows de rap, hip hop e outras formas de lazer, antes de se dedicarem às atividades domésticas e cuidarem de filhos.
Namorar uma pessoa adulta, enquanto, como menina de quinze anos, ainda vivia numa fase de transição entre a adolescência e a fase adulta, realmente pode ter sido traumático para Eloá, que percebendo a possessividade e violência do namorado resolveu acabar com o relacionamento. Para ela deve ter sido um alívio, uma libertação, mas para Lindembergue foi um martírio que alternava paixão e ódio ao mesmo tempo. O desejo de morte para Lupicínio sugere que o apaixonado estava entre cometer o suicídio ou continuar sofrendo, mas para o nosso caso real a morte seria apenas do objeto do amor. Se ela não poderia ser dele, não seria de ninguém. A Mayara, como a melhor ou a amiga mais próxima seria a cúmplice da decisão de Eloá e por isso, acredito, o desfecho quase fatal.
Foi ciúme ou despeito? Poderia também ter sido ambos. O sentimento pela perda, o vazio que se abre para o indivíduo quando se encerra um relacionamento pode ser muito grande e muitos têm dificuldade para reencontrar o seu eixo, vindo daí o desespero, o alcoolismo, as drogas, a depressão ou em alguns casos, felizmente, menos freqüentes, a vingança violenta.É óbvio que nada justifica a violência passional contra as mulheres, mas ela existe em todas as sociedades, quer elas sejam tecnologicamente e economicamente avançadas ou pobres e atrasadas como a nossa e outras tantas. É provável que a psiquiatria e a psicanálise não tenham soluções para esses males, que estão ligados à uma cultura em que a mulher é uma propriedade do homem e não pode tomar uma decisão como o rompimento de um relacionamento. Entretanto, a literatura, a música e a poesia podem ser um meio para mergulhar as mágoas e sublimar as pulsões violentas numa perda amorosa. Pena que o Lupicínio quase não é ouvido e os jovens como Lindembergue talvez nunca tenham ouvido falar dele.
Renato Ladeia
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