tag:blogger.com,1999:blog-72717995685976172502024-02-29T21:39:27.483-08:00Crônicas memorialistas e impressões do cotidianoRenato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.comBlogger286125tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-77053764693620727922024-01-04T14:30:00.000-08:002024-01-04T14:30:58.864-08:00DONA ESPERANÇA
Esperança, um estranho nome para uma filha de imigrantes japoneses que aportaram na velha Mooca no começo do século passado, um bairro que até os anos 1940 era um típico reduto operário da Paulicéia. Quando menina ela foi estudar num antigo externato na Rua dos Trilhos, ainda no tempo em que havia trilhos na rua. A escola pertencia a três irmãs solteiras que vieram de Campinas. Lá foi alfabetizada e concluiu o primário. Como era muito estudiosa e aplicada se destacou entre as outras crianças e depois de formada ajudava as professoras com os novos alunos.
Com a morte prematura dos pais, foi morar com as antigas professoras e ajudava em tudo, vendendo materiais escolares e dando aulas básicas de inglês que aprendeu com uma professora particular e outras tarefas. Mas Esperança ia além, pois como o bairro era carente de serviços de saúde, era ela quem socorria a população aplicando injeções até altas horas da noite.
As professoras foram envelhecendo, vieram mais escolas públicas, o bairro cresceu e o Externato perdeu sua finalidade diante da nova realidade e assim, nos anos 1960, fechou as portas, encerrando um longo ciclo de ensino no bairro, habitado em sua maioria por imigrantes italianos, mas também tinha espanhóis, portugueses e por último, os japoneses.
A escola esteve presente em vários eventos históricos da Paulicéia, como as Revoluções de 1922 e a de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Em 1922, a escola foi tomada por revolucionários, tornando-se um quartel, onde muitos anos depois foram encontradas granadas e balas de fuzil. Em 1932 a escola se tornou uma confecção de uniformes para atender a revolta paulista contra o governo Vargas e assim, professoras e voluntárias levaram suas máquinas de costura para suprir o exército bandeirante. Esperança esteve sempre lá e seu nome parecia ser o símbolo de novos tempos que poderiam vir.
As antigas professoras foram partindo, uma após outra e Esperança permaneceu no sobrado ao lado da antiga escola até quando a última delas se foi. Sepultada a derradeira das irmãs e protetoras, vieram os herdeiros que não sabiam o que fazer com a última, que por ironia se chamava Esperança. Felizmente, ela foi acolhida por uma família amiga, onde passou seus últimos tempos, levando com ela velhas memórias do antigo bairro paulistano.
E assim, seguindo o velho ditado popular, a esperança foi a última que morreu depois de mais de 90 anos de vida.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-64943010512119235822024-01-04T14:29:00.000-08:002024-01-04T14:29:54.109-08:00ARGEMIRO PIFFER, BEQUE CENTRAL DO TIME DA VILA
Argemiro, Miro ou Mirão, era nosso vizinho. Filho mais velho do seu Afonso, que era barbeiro nas horas vagas e aparava as madeixas dos vizinhos e garotada. Miro gostava de se sentar sobre o muro de sua casa sem camisa exibindo seu corpo atleta com uma águia tatuada no peito. Era uma águia simples, pois as técnicas de tatuagem ainda estavam bem distantes das atuais.
Miro era também beque central do Estrela F.C de Vila Marlene, o glorioso time do bairro com seu garboso uniforme vermelho, que jogava num campo de terra batida que deixava os jogadores com as pernas e braços ralados após os jogos. O Miro era respeitado e jogava duro para segurar os ataques adversários, normalmente um time de outro bairro que vinha disputar uma cobiçada taça.
Aos domingos e feriados eu não perdia um jogo do Estrela e nas vitórias ou derrotas eu acompanhava o escrete caminhando com as camisas nas mãos em direção à sede que ficava ao lado do bar do Serafim, um espanhol apaixonado por futebol. A sede era um barracão simples, onde ficavam os troféus ganhos pelo time numa simples prateleira madeira.
O Miro paquerava minha irmã mais velha, e talvez por isso me levou algumas vezes ao Pacaembu para assistir os jogos do Corinthians. Era uma forma de angariar simpatia da família. Na verdade, o Miro não precisava disso, pois meus pais gostavam muito dele. Numa das idas ao Pacaembu, fomos de ônibus até o Ipiranga onde pegamos uma carona em um caminhão de um amigo dele. No meio do caminho o caminhão quebrou e chegamos no estádio quando o jogo já havia começado. Com isso, tivemos que ficar no lado da torcida do Palmeiras e sendo dois corintianos, não demos um pio durante o jogo.
Mas o namoro do Miro com minha irmã não deu certo e ele acabou se casando com uma outra vizinha. Alguns anos depois soube que ele teve um derrame cerebral e ficou longo tempo desmemoriado. Parece que ele melhorou do derrame e recuperou a memória, mas por outras razões faleceu tempos depois. Fiquei triste com a notícia, pois gostava do velho Mirão e foi graças a ele que vi o Pelé em campo dando um chocolate no meu time. Naquela época eu até cheguei a pensar em torcer para o Santos, a esquadra invencível. Mas por respeito ao Mirão, um corintiano convicto, deixei a ideia de lado e continuei no timão.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-44490346002873014502023-11-07T12:19:00.004-08:002023-11-07T12:19:41.927-08:00RICHARD HENRY CLAYTON, UM INGLÊS NA MINHA SALA
Numa multinacional francesa apareceu do nada um inglês contratado para uma posição acima da do meu chefe. Inicialmente, ele não tinha sala e ficou acomodado numa pequena mesa que existia na minha salinha, ao lado do meu superior. Richard era um homem alto, magro e usava grandes óculos e não se incomodava em esticar suas longas pernas para os lados. Poderia pedir a minha mesa e ocupá-la sem maiores cerimônias, mas nunca aventou tal possibilidade. Era sempre um gentleman e revezávamos no cafezinho. Às vezes me servia e em outras eu o servia. Como um bom inglês, sentia falta do chá e eu acabei resolvendo, comprando uma chaleira elétrica que ele pagou com grande prazer. E assim, tínhamos chá todos os dias. O seu Afonso Salmeron Castilho, um velho faxineiro espanhol providenciava a bebida na salinha onde ficavam os materiais de limpeza.
Richard tinha uns hábitos peculiares. Arregaçava a camisa social invariavelmente branca até o antebraço e lá enfiava o maço de cigarros Continental com filtro. Vivia fazendo cálculos matemáticos para todos os problemas com os quais se defrontava e citava com orgulho que havia feito uma faculdade popular que lhe ensinou o caminho das pedras. Chegou ao Brasil com seus pais ainda criança e por isso falava português sem nenhum sotaque.
Passamos algum tempo dividindo a sala e logo foi providenciada uma acomodação para ele no prédio administrativo, onde ficava a diretoria, mas o nosso acordo com relação ao chá continuou mantido e o velho catalão cuidava de levar-lhe o chá diariamente, não sem reclamar por causa das caminhadas diárias para retirar e deixar a garrafa térmica. Mas sempre que estava na sala do meu chefe, Clayton aproveitava para um dedo de prosa com seu “colega” de sala.
Tínhamos boas conversas sobre literatura, em que Shakespeare era quase sempre o tema, mas falava muito sobre a Inglaterra, para onde ia quase todos os anos para visitar parentes e amigos. Contou-me que seus pais eram irlandeses, o que explicava sua tez morena e cabelos escuros e ondulados. Descendia dos “povos morenos” que habitaram a ilha antes da chegada dos anglos e saxões. Marion Zimmer Brandley, em seu bestseller “As brumas de Avalon”, ela menciona essa etnia que ocupou a ilha e suas relações com o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda.
No final de ano a nossa área era um festival de brindes para os chefes e às vezes também para os funcionários. Recordo-me que ele recebeu uma enorme caixa e ao abri-la viu que era um equipamento eletrônico, que naquela época eram caros. Pediu-me que fechasse a caixa e devolvesse ao fornecedor, pois não considerava ético receber presentes além dos tradicionais.
Mas Richard Clayton foi embora e eu não soube por que razão foi demitido, mas muito provavelmente pelas antigas intrigas corporativas. O fato de ser inglês numa empresa francesa talvez tenha contribuído para sua saída, pois os franceses são mais xenofóbicos em relação às outras nacionalidades, principalmente pela antiga rivalidade entre os dois países. Meu chefe, também gostava dele e nunca entendeu seu desligamento. No dia da sua demissão me cobrou porque o seu chá não foi enviado. Com certeza me esqueci que para um bom inglês, o chá é fundamental, em qualquer circunstância.
Nunca mais soube do Richard, pois naqueles tempos não tínhamos a facilidade do Google, mas lembrei-me de que ele havia feito Administração na antiga ESAN (FEI). Comentou que preferiu a ESAN por quê seu corpo docente tinha mais vivência empresarial e era menos acadêmica.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-16145827018835215852023-06-02T11:04:00.002-07:002023-06-02T11:04:16.697-07:00LUTO: FLADEMIR BASSI LOPES
Recebi hoje a triste notícia da partida do querido professor Flademir com quem trabalhei durante vinte anos na FEI. Flademir um mestre sempre dedicado aos seus alunos e ao ensino.
Trabalhou muitos anos como executivo na ZF e Otis na área de Compras e terminou sua carreira como professor de Teoria Geral de Administração na FEI durante mais de 30 anos.
Para os colegas era um bom conselheiro pela sua grande experiência profissional e como mestre era também um ombro amigo para apoiar e orientar seus pupilos.
Já afastado da vida acadêmica, dividia-se entre São Bernardo e São Pedro, onde tinha uma casa de veraneio. Mas no meio do caminho apareceu um câncer que o venceu hoje às 6 horas da manhã.
Gostava de contar uma história quando sofreu um grave acidente nos anos 1980 e foi dado como morto. Sua família chegou a ser avisada, mas ele não desistiu da vida e sobreviveu por mais 30 anos. Esse era o grande professor Flademir.
Meus sentimentos à esposa, filhos e netos do querido mestre.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-50884321205309942872023-06-02T10:50:00.003-07:002023-06-02T10:50:23.368-07:00NO SÉCULO PASSADO, QUASE TODOS ERAM RACISTAS
Quando Euclides da Cunha publicou seu livro mais famoso, Os Sertões, baseado na sua experiência como repórter do Estadão na cobertura da Guerra de Canudos, a “hierarquia das raças” era dominante na sociedade brasileira e no mundo ocidental, incluindo o meio acadêmico. No século XIX as teorias de Arthur Gobineau sobre a superioridade dos brancos era consagrada e D. Pedro II foi seu admirador e correspondente. Tinha-se como consagrado, que os povos europeus haviam conquistado a América e a África pela sua superioridade racial, fazendo jus a escravização dos povos nativos.
Em Os Sertões, Euclides da Cunha, um engenheiro militar culto se esmerou em expor as teorias racistas que conhecia, em boa parte do livro, no capítulo em que descreve as populações do Nordeste. Atualmente muito se fala em Monteiro Lobato pelas inferências racistas em sua obra, principalmente na literatura infanto-juvenil. Por isso, já houve até propostas de censurá-la ou reescrevê-la, retirando passagem que indicam posições racistas do autor. Entretanto, sobre Euclides da Cunha pouco se fala e mais em artigos acadêmicos o tema é discutido, pois a obra do autor é bastante árida, com estilo bastante rebuscado, repleto de neologismos, expressões raras e muitas regionais. Por essa razão, poucos o leram de fato, apesar de muito citado.
Como são raros os leitores da obra, exceção feita a críticos literários e outros estudiosos com interesses históricos, sociológicos e antropológicos, é natural que a obra não tem sido criticada nos últimos anos com a veemência com que o autor do Sitio do Pica Pau amarelo é atacado. Euclides, ao contrário do Lobato, tenta dar lastros de científicas, às suas afirmações, como num trecho em que afirma: “A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quanto reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior”. (p.87, 88).
Em outro ponto, ele destaca que o mestiço, resultado da mistura da raça branca superior com raças inferiores, gera quase sempre desequilibrados. Para ele, o mestiço, mulato, mameluco ou cafuz – menos que um intermediário, é um decaído, que não herdou a energia física dos selvagens e nem a altitude intelectual dos ancestrais superiores (branco). Está, também, em Os Sertões, a visão de que os mestiços procuram, em atitude de defesa, buscar o branqueamento, ideia que é atribuída ao antropólogo Gilberto Freyre, autor do clássico Casa Grande e Senzala. Para dar suporte as suas teorias racistas, Euclides da Cunha cita Gratz, quando afirma que o elemento étnico forte tende subordinar ao seu destino, o elemento mais fraco diante do qual se encontra. E o autor finaliza: “... a raça forte não destrói a fraca pelas armas, esmaga-a pela civilização”. Enfim, Euclides da Cunha conclui que o resultado da mestiçagem é um ser retrógrado, retardatário a quem muito falta para atingir o grau civilizatório da raça considerada superior.
A frase muito famosa e citada de Euclides da Cunha, “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, traz um elogio, mas em seguida ele continua: “...Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral”. Como nunca se cita a frase completa, tudo indica que é por constrangimento ou então por pura ignorância, usando a expressão de segunda ou terceira mão.
A despeito do conteúdo racista da obra, a leitura, longe de ser inútil, é uma forma interessante de mergulho no passado recente do país, mostrando como um agrupamento de homens e mulheres miseráveis, são guiados por uma mente fanática e paranoica e são capazes de resistir a várias incursões militares para a destruição de Canudos. O poder com que Antônio Conselheiro liderava seus seguidores, tinha no primitivismo religioso, complementado pela miséria e a falta de perspectiva, a sua força impulsionadora.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-30199773430617884992023-05-19T14:19:00.000-07:002023-05-19T14:19:03.822-07:00CARMEN MIRANDA
Na minha infância ainda se ouvia falar sobre a grande cantora Carmem Miranda, cujas canções que interpretou fizeram história e ficaram no imaginário do povo. Minha mãe sabia algumas que ela cantava e um irmão dela, que morava no Rio, garantiu que a via sempre por lá e assistiu vários shows que fazia ainda no começo da carreira.
Como ainda era muito criança, pouca coisa me lembro sobre ela e a mais marcante era uma revista “O Cruzeiro” que havia em casa sobre o seu funeral, que minha mãe guardou por muitos anos. Foi um grande acontecimento que marcou a cidade maravilhosa. E agora, depois de tanto tempo, resolvi enfrentar a magnifica biografia de mais de 400 páginas sobre essa mulher espantosa, escrita por Ruy Castro, um competente biógrafo.
Ouvindo os mais velhos, me lembro das conversas sobre o fato dela ter se americanizado, perdendo a sua brasilidade. Falavam como se ela houvesse traído o seu povo. Nada mais falso. Para começar essa mulher magistral, apesar do pequeno tamanho, nasceu mesmo numa aldeia ao norte de Portugal e com pouco mais de 1 ano atravessou o Atlântico no colo de sua mãe para fazer a vida no Brasil.
Seu pai, um humilde barbeiro, fazia das tripas coração para sustentar a grande família lusitana com seus parcos ganhos, o que obrigou a esposa e abrir uma pensão na própria casa, servindo almoços e jantares. Carmen, na verdade Maria do Carmo, pois o apelido que a acompanhou pelo resto da vida fora dado por seu tio que se inspirou na ópera Carmen de Bizet.
Pele morena, olhos verdes, sorriso encantador e carismático, hipnotizava a todos que a viam. Como cantava afinada e com muita bossa, não demorou que a descobrissem, iniciando sua carreira de cantora nas rádios, um veículo de comunicação ainda incipiente nos anos 1920. No Rio existiam no máximo uns 35 mil vitrolas e um disco que alcançasse a vendagem de 10 mil, era considerado um sucesso fantástico. Quando gravou Taí (Eu fiz tudo para você gostar de mim) do Joubert de Carvalho, fez o Brasil inteiro cantar a marchinha.
Seu sucesso rompeu fronteiras, inicialmente na Argentina, onde quase todos os anos fazia por lá uma turnê, ganhando grandes aplausos entre os portenhos. Depois foi contratada pelo empresário germano americano chamado Schubert para uma temporada nos EUA, mesmo sem falar uma palavra em inglês. Essa estreia nada tinha a ver com a política de boa vizinhança promovida pelos EUA para evitar que os países da América aderissem ao nazismo alemão, pois estreou na Broadway bem antes do país entrar na guerra. A partir daí, sim, o governo americano estimulou o estreitamento das relações com os países da América Latina, investindo nas economias e na cultura, principalmente em filmes enalteciam esses países. O personagem da Disney, Zé Carioca, é fruto dessa política, mostrando o jeito matreiro e simpático do brasileiro para o mundo.
Apesar do sucesso nos EUA, Carmen era massacrada em alguns órgãos de imprensa no Brasil, que a criticavam por estar ficando velha, por ter se deixado seduzir por Hollywood, cantando músicas americanas e de outras origens. Era voz corrente que Carmen era amante do presidente Getúlio Vargas antes de ir para os EUA, coisa que nunca aconteceu. Carmen recebia essas críticas através dos amigos brasileiros que a visitavam. Ficava magoada pela injustiça, mas o sucesso e o fato de ser a mulher mais bem paga dos EUA, não chegavam a abalá-la.
Mas a pequena notável, como era chamada, não era feliz e desejava mesmo se casar e ter filhos. Em seu meio todos se divorciavam e seus namorados entre os grandes galãs de Hollywood, como John Wayne, não estavam interessados em casamentos duradouros. Por fim ela se casa com um pobretão e medíocre, cujo único objetivo era usar e abusar do seu dinheiro. No final, torna-se alcoólatra, fumante e intensifica o uso de anfetaminas, que passou a usar bem antes, para suportar o grande número de compromissos agendados por seus empresários
A anfetamina em sua época era uma droga pouco pesquisada e não se levava a sério os seus riscos para a saúde. A associação da droga com o álcool parecer ter se tornado uma bomba relógio prestes a explodir, o que acontece em 1954, quando seu coração entra em colapso. Carmen retorna ao seu amado Brasil, não como gostaria, mas em um caixão e é recebida pelo povo que a amou, como a grande heroína que conquistou a América.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-6874692415224712862023-05-19T14:17:00.004-07:002023-05-19T14:17:50.123-07:00MEU TIO CARIOCA
Meu tio Elisário foi para o Rio de Janeiro em meados de 1928 para estudar e trabalhar. Lá se hospedou na casa de um médico, parente de sua mãe, chamado Ajax Rabello. Era o meu tio carioca, como todos que no Rio moravam, tinham direito a alcunha, não importando a origem, como o pernambucano Nelson Rodrigues, a portuguesa Carmem Miranda ou o livreiro francês Baptiste-Louis Garnier. Mesmo antes de concluir o curso de guarda-livros, nome que antigamente se dava aos contadores, ele já estava trabalhando em um banco, fazendo escriturações contábeis com sua letra pequena e caprichada.
No Rio ele vivenciou a grande crise de econômica de 1929, mas não chegou a perder o emprego. Contava em cartas para os pais que moravam em Araçatuba, interior de São Paulo, as novidades da capital federal. Citava que o presidente da República ia ao banco sem nenhum aparato de segurança, como um cliente comum. Outras vezes o via tomando um carro para ir a algum compromisso sem nenhum aparato, difícil de imaginar hoje.
Numa de suas cartas comentou sobre a Revolução de 1930, que na época não chegou a provocar grandes transtornos na cidade com a chegada do gaúcho Getúlio Vargas, que destituiu o Washington Luiz dois meses antes do final do mandato. Getúlio assumiu o governo com o apoio dos militares, mesmo tendo sido derrotado pelo paulista Júlio Prestes nas eleições de outubro de 1930. Pelo acordo entre São Paulo e Minas Gerais, seria a vez de um mineiro ser o candidato, mas Washington Luiz, um paulista de Macaé, uma alusão a sua cidade natal no Rio, indicou o presidente da Provincia de São Paulo como candidato. Essa decisão dividiu o país e culminou com o golpe de Getúlio.
Mas com Getúlio assumindo com poderes ditatoriais, nomeando como interventor federal em São Paulo o militar pernambucano, João Alberto, provocou a revolta dos paulistas que se sentiram humilhados pela perda de autonomia no novo governo. Com o apoio de alguns estados, São Paulo se arma para lutar contra o governo Vargas, iniciando a Revolução Constitucionalista de 1932. Meu tio com pouco mais de 20 anos, foi então convocado pelas forças federais, lutando contra São Paulo nas fronteiras com Minas Gerais.
Terminada a guerra civil e sem emprego, viaja para São Paulo para visitar os pais em Araçatuba. Fica por lá algum tempo e começam a aparecer os traumas provocados pela guerra. Acordava no meio da noite assustado com os tiros de canhão que ouvia nos seus pesadelos e saia gritando pelas ruas. Depois de algum tempo começa sua vida de viajante. Enviava fotografias para a família de vários lugares que passava. Ora elegante, ora maltrapilho, dependendo das suas condições de vida. Foi para o sul do país, onde morou em Santa Catarina e Rio Grande do Sul e depois Uruguai e Argentina. Na Argentina teve uma das costumeiras crises e foi hospitalizado. Como estava sem documentos, o consulado escreveu para a família avisando sobre as suas condições. As correspondências trocadas com o consulado até pouco tempo estavam em nossa casa, mas acabaram desaparecendo.
Ele ainda nos visitou sua irmã caçula em São Caetano nos anos 1950 e depois disso desapareceu. Dele ficaram as cartas e as fotografias que ele enviava, algumas delas sobre o antigo Rio de Janeiro, mostrando paisagens da cidade maravilhosa como a Estrada da Gavea, os Arcos de Santa Tereza, o Catette (ainda com dois tês”). Cantou com minha mãe alguns sucessos que ouviu no Rio de Janeiro na voz da Carmem Miranda e de outros artistas. De “Papo pro ar”, do Joubert de Carvalho minha mãe aprendeu com ele.
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O homem que ainda não teve problemas com a próstata, não perde por esperar. Um dia ela se manifesta e pode ser de forma benigna ou maligna. Na maioria das vezes é benigna, com o aumento do tamanho que pode afetar a passagem da urina pelo ureter. Daí as noites mal dormidas que faz as pessoas levantarem várias vezes para esvaziar a bexiga. Para esse caso, tem solução se o sujeito tiver um bom plano de saúde. Quando é maligna, a coisa é mais complicada, exigindo a retirada do órgão e é bom torcer para o câncer não ter se espalhado para outros órgãos. Essa forma mais agressiva é mais rara, mas é bom não se descuidar, pois estatisticamente, com 100 anos de idade, temos cem por cento de chance de ter um câncer no órgão, como também a mulher ter um tumor no útero.
Tive um amigo, que mesmo com a forma benigna, não se cuidou. Ele levantava de meia e meia hora para se aliviar, dia e noite. Com o tempo a bexiga perde a elasticidade e o indivíduo não consegue mais esvaziá-la totalmente, o que pode criar condições para infecções graves. Foi isso que o levou mais cedo para a terra do nunca.
Esse pequeno órgão é o calcanhar de Aquiles do sexo masculino. Antigamente se acreditava que retirada a próstata, adeus vida sexual, o que nem sempre é verdade. Os exames preventivos podem controlar o problema, mas há muito preconceito e muitas anedotas sobre esse exame. Meu dentista, contou-me que um amigo dele depois dos exames, enviava flores para o médico para deixá-lo desconfortável. A secretária e os pacientes da sala de espera davam risadinhas maliciosas. Apesar das campanhas de saúde, ainda existem muitos homens que se recusam a fazer o exame de toque. “Eu morro, mas não faço”, disse um vizinho há alguns anos. Coitado, apareceu recentemente um tumor e precisou fazer uma cirurgia de emergência.
Quarenta anos, dizia um velho mestre, é o prazo de validade para o ser humano. A partir daí começam a surgir vários problemas, incluindo a perda da visão com a presbiopia. Por isso a expectativa de vida até o século XIX e começo do século XX, era nessa faixa etária. E para confirmar isso, aos quarenta comecei a sentir problemas. Fui ao médico que me encaminhou para uma ultrassonografia do órgão. A próstata estava um pouco aumentada e não indicava malignidade, mesmo assim, tive de me submeter ao “temível” exame, que é a forma mais eficiente de diagnosticar com precisão a natureza do inchaço. Felizmente era só o aumento normal do órgão que ocorre em quase cem por cento dos homens, mas nem todos os casos geram problemas mais sérios. Para evitar a interrupção do sono, evitava tomar líquidos depois das seis horas, além de tomar uns medicamentos paliativos. Enfim, depois de adiar por um bom tempo, fiz um procedimento de raspagem do canal urinário, que resolveu o problema da obstrução, sem retirar a próstata.
E para encerrar essa conversa chata da terceira idade, as últimas que ouvi sobre o toque retal: Um senhor foi muito a contragosto fazer o tal procedimento e em seguida o médico lhe perguntou se estava sentindo alguma coisa. Ele respondeu constrangido: “Sinto que te amo doutor”. A outra foi o caso de um senhor que foi fazer o exame e o médico, para deixá-lo à vontade, colocou uma música bem suave. Alguns segundos depois, o senhor disse para o médico: “Não daria para colocar a Nona sinfonia?” E tem muitas outras circulando por aí.
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A nova lei que estabelece salário igual para as mulheres na mesma função me parece uma panaceia sem resultados práticos. Primeiramente, porque a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) já prevê essa isonomia desde os anos 1940, quando foi promulgada pelo então presidente Getúlio Vargas. Assim, não importa se for mulher ou homem, quando as funções forem iguais, os salários devem ser os mesmos. Admite-se que em fase probatório os salários podem ser diferentes, mas depois de dois anos em funções iguais não há por que existir diferenças. Assim estabelece a lei no artigo 461: “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.”
É sabido que na média, a remuneração das mulheres é inferior aos homens, mas isso ocorre de forma geral e não necessariamente por desobediência proposital na grande maioria dos casos. Se tomarmos, por exemplo, os ganhos das engenheiras e dos homens no mercado, provavelmente a massa salarial será vantajosa para os homens, mas por diversas razões como tempo no serviço, melhores oportunidades de especialização e acesso aos melhores empregos e posições.
A discriminação sem dúvida existe, pois, a nossa cultura, como da maioria dos países é machista e não há como impor que executivos e empresários contratem mais mulheres para as melhores posições. A decisão final é deles e o governo não tem como interferir numa decisão administrativa das empresas e não há base para condená-las por isso.
No setor público, essa isonomia existe e desconheço que qualquer órgão público federal, estadual, municipal ou empresas estatais ou de economia mista, discriminem as mulheres em seus planos de cargos e salários. Também nas empresas organizadas, onde existem planos de cargos e salários estabelecidos e administrados por profissionais de RH, as diferenciações ocorrem sempre em razão na natureza dos cargos, envolvendo complexidade, responsabilidades e outros quesitos e não pelo sexo.
Entretanto, um chefe pode preferir que determinadas funções melhor remuneradas sejam ocupadas por homens e não por mulheres por razões subjetivas e isso contribui para desequilíbrio salarial entre os sexos. Nenhuma lei poderá corrigir essa distorção, pois envolvem valores e critérios de cada gestor.
Existe o critério de senioridade que pode resultar em discriminação. Em geral as profissões são classificadas como Sênior, o (a) mais experiente, o pleno, com experiência mediana e o júnior ou iniciante. Quem terá a oportunidade de se desenvolver mais, assumindo trabalhos mais complexos ou com maior responsabilidade ou mesmo mais perigosos? Essa decisão pode estar nas mãos de um chefe, um executivo ou empresário e não está ao alcance de uma lei.
Um exemplo que pode ocorrer com frequência: uma empresa tem, apenas um cargo para um engenheiro ou um administrador. Na escolha entre dois candidatos com o mesmo nível de competência, sendo um homem e uma mulher, a empresa pode decidir contratar uma mulher que tem uma pretensão salarial menor do que o homem. Assim, não há como punir um empresário por esta decisão.
Uma situação que já vi ocorrer, foi quando um chefe de seção resolveu substituir todos os homens do seu departamento por mulheres com salários mais baixos. Ele justificou que as mulheres eram mais eficientes, cuidadosas e operavam com menos erros do que os homens e além de tudo, foram contratadas com salários mais baixos. Neste caso, os homens foram discriminados ficando sem emprego, justamente por terem salários maiores.
Numa empresa de alta tecnologia que trabalhei como gestor de RH, comentei com um diretor que algumas engenheiras tinham o mesmo tempo de experiência que os homens e ganhavam menos. Ele justificou que as mulheres não tinham disponibilidade de fazer longas viagens e ficarem afastadas de maridos e filhos. O argumento poderia ser até aceitável pois as engenheiras poderiam ter se recusado a aceitar um trabalho longe de casa. Entretanto, numa situação em que não havia nenhum homem disponível para enviar para um cliente no Nordeste, ele acabou escalando uma engenheira, que deu conta do recado. Eu o questionei e ele foi obrigado a admitir que estava errado. Esse seria um caso em que a lei poderia valer. Porém, se apenas os homens fizessem esse tipo de trabalho e as mulheres o recusassem, qualquer juiz trabalhista daria razão para a empresa.
Outro aspecto importante, que as estatísticas não alcançam, é que cada profissional numa empresa ou num departamento, pode fazer um trabalho diferente do outro com a mesma qualificação. Assim, ficaria muito difícil provar que as funções são realmente iguais. Isso se aplica apenas no caso de funções em linha de produção ou estritamente operacionais. Numa empresa com 100 engenheiros, cada um faz um trabalho diferente dos demais e o mesmo ocorre com administradores, advogados, jornalistas, Químicos etc.
Um detalhe relevante sobre essa questão, são as diferenças de atividades econômicas. Algumas são mais lucrativas do que outras. Os setores de baixa lucratividade podem contratar mais mulheres do que homens por considerarem essa decisão mais econômica. O setor de serviço, por exemplo, contrata mais mulheres do que homens.
Enfim, entendo que é um problema bastante complexo para ser analisado com base apenas em estatísticas gerais, pois existem vários elementos culturais, técnicos e administrativos envolvidos. Seria mais adequado fazer pesquisas por setor de atividade e por função para verificar as discrepâncias salariais entre homens e mulheres.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-78623792939261566732023-05-19T14:06:00.004-07:002023-05-19T14:06:54.669-07:00LTI A LINGUAGEM DO TERCEIRO REICH
O retorno, sempre indesejável das ideias nazistas ou fascistas, é sempre um motivo de preocupação, principalmente para aqueles sintonizados com os destinos da humanidade e defendem a liberdade de pensamento ou de credo. Acabo de ler a edição mais recente, de 2009, presenteada por um amigo. O livro é baseado no diário de um cidadão alemão de origem judaica que viveu a tragédia do III Reich. Klemperer era filho de um Rabino, mas converteu-se ao Luteranismo, mesmo sendo agnóstico, pois desejava ser um alemão como qualquer um e por fim, casa-se com uma pianista alemã, não judia.
O autor era um professor universitário livre-docente em Filologia e também especialista em literatura francesa. Sua vida começa a mudar a partir da tomada do poder por Adolf Hitler em 1934 que se proclama chanceler e presidente da Alemanha, o Fuher. Em 1935 Klemperer é destituído do seu cargo na universidade no processo de “purificação nazista”. A partir daí, Klemperer passa a trabalhar como simples operário, tal qual outros judeus comerciantes, industriais ou intelectuais. Proibido de acessar a biblioteca, lê as escondidas graças a sua mulher que não é judia. Como filólogo, o autor começa a escrever seu diário que vai servir de base para esse livro. No diário vai registrando as palavras usadas pelo regime nazista, analisando os discursos de Hitler ou os artigos de Goebbels, o ministro da Propaganda do estado alemão. A sobrevivência dele se deve obviamente ao fato de ser casado com uma alemã e, também, por ter abandonado a crença dos seus pais, caso contrário teria ido para um campo de concentração.
Observe-se que, para os nazistas, o ódio aos judeus não é simplesmente pela sua crença. Acreditavam numa herança de sangue, uma “contaminação”. O bolchevismo é o grande inimigo dos nazistas, pois o associam ao autor de “O Capital”, Karl Marx, de origem judaica. Ocorre aí um processo de racialização da crença. Numa das passagens ele comenta sobre a sobrevivência do cristianismo no ambiente nazista. É evidente que o III Reich apenas tolerava a fé cristã, pois seu verdadeiro deus era o próprio Hitler e o livro sagrado era o “Mein Kampf” ou Minha Luta. Além disso, procuram dissociar o cristianismo do judaísmo, considerando que Jesus apenas nasceu no ventre de uma judia por obra do Espírito santo, não sendo, portanto, para eles um verdadeiro judeu. Uma das aspirações do nazismo era que uma religião substituísse o cristianismo semita e não heróico.
A técnica usada e abusada pelos nazistas através do seu grande ideólogo, ´Goebbels é a mentira, sempre reiterada por meio de expressões que ressaltam o “sucesso” do Reich. “Quando o número de empregos sobe em razão das colheitas, isso é ressaltado como ser fosse uma ação do estado, reduzindo o desemprego”. Os discursos são sempre dirigidos aos sentimentos e nunca ao intelecto para torná-lo mais popular. Há sempre a rejeição da cultura de forma abrangente, sempre enaltecendo os valores originais dos povos germânicos. O nazismo é visto por Klemperer como uma doença tipicamente alemã e o fascismo italiano contaminado por esse vírus bestial, mas também criminoso. Na linguagem do Terceiro Reich, o foco principal é valorizar de forma fanática, conceitos como valentia, dedicação, abnegação, tenacidade ou um enunciado global associando todas essas virtudes.
Klemperer vê a origem do nazismo no romantismo estreito, limitado, o pervertiudo ou o romantismo kitsch ou brega na linguagem atual. Tanto Hitler como seus seguidores, odiavam o intelectualismo, a cultura universal. Viam o mundo de forma estreita a partir das origens tribais dos germanos.
No cotidiano da vida alemã observado por Klemperer, Hitler é endeusado, infalível. Quando as coisas não davam certo, acreditava-se que a culpa era dos outros não dele. Ele não podia ser derrotado. Ich glaube na den Furher (eu acredito no Furher). Essa linguagem de fé, se aproxima do cristianismo, mesmo que o nazismo combatesse o catolicismo. O Terceiro Reich seria eterno, o final dos tempos, não haveria o IV Reich.
Enfim, para o autor, Hitler via as massas como ignaras, sem capacidade de entender seus discursos, mas ao mesmo tempo era assim que tanto ele como Goebbels desejavam, pois eram mais facilmente manipuladas com as constantes mentiras veiculadas nos meios de comunicação. A Alemanha, mesmo no final da guerra, quando era evidente o fracasso, os discursos exaltavam a força alemã e a capacidade insuperável do seu líder, quase um mito.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-37500897188154012542023-05-19T14:05:00.003-07:002023-05-19T14:05:34.368-07:00UM CÁLCULO COMPLICADO
Não me refiro aos cálculos de diferencial e integral, assunto sobre o qual sou leigo. O cálculo a que me refiro é o renal. Somente aos quarenta descobri que tinha um, provavelmente por razões genéticas. É um cálculo chato, principalmente quando ele é expulso dos rins, cai na bexiga e encontra dificuldade para passar pelos estreitos caminhos adiante. Um desses cálculos parou meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra, como no poema do Drummond. Para resolver, tomei uns três litros de água até que a danadinha caiu pulando como um serelepe no mictório. Com um papel higiênico, a recolhi, lavei e fiquei olhando para ela e imaginando suas travessuras pelas minhas vias urinárias. Era um cálculo bem graúdo, quase do tamanho de um grão de feijão, mas todo áspero e disforme. Guardei a relíquia e a levei para o médico que avaliou como uma formação de oxalato de cálcio. Recomendação: tomar muita água durante o dia, pois assim dificulta a formação de novos cálculos nos rins. A coisa é relativamente simples. Os rins funcionam como filtros do sangue, retendo todas as impurezas e excessos da alimentação. Quando a pessoa toma pouca água ou líquidos, esses resíduos se acumulam e vão formando pequenas pedras. Existem casos em que se formam tantos cálculos que o rim para de funcionar.
Como tinha, até então, o hábito de beber pouca água, acumulei muitos cálculos no rim esquerdo, enquanto no direito nada. Com a mudança comecei a expeli-los quase que diariamente. Cheguei a colecionar dezenas numa caixinha de fósforos que estava guardando de recordação até que meu neto resolveu brincar com elas e nunca mais as vi.
A partir daí fui relembrando que esses cálculos me atazanaram a vida desde a juventude e eu não sabia a causa. Lá pelos vinte anos, tomando uns chopes com amigos no velho Zangão que ficava na Avenida Goiás, senti uma dor aguda, muito forte na altura do rim esquerdo, uma cólica renal. Meus amigos me levaram ao Pronto Socorro onde fui medicado. Melhorei, mas no dia seguinte a dor voltou, mas com menos intensidade. Fiz radiografia e exames de laboratório, que não acusaram nada e fiquei sem saber por que a dor foi tão forte.
Muitos anos depois fazendo um checkup, o médico observou que havia um enorme cálculo enroscado na saída da bexiga, com mais de 6 mm. Para tirar o intruso, foi usada uma sonda pela uretra com um triturador na ponta que o esfarelou, a chamada litocripsia. Foi aparentemente uma moleza, mas depois da alta percebi que o cálculo tinha um alto custo no cálculo residual. O cirurgião deixou um cateter na saída da bexiga que ficou ferida pelo procedimento e facilitar a cicatrização. Quando fui esvaziar a bexiga pela primeira vez sem a sonda, senti a maior dor do mundo. Foi uma semana de sofrimento até que aos poucos normalizou.
Como era Professor numa faculdade que tem curso de engenharia, um professor ao ouvir a minha conversa com outro colega, perguntou curioso: É diferencial integral? (disciplina da matemática que apavora os alunos). Rimos muito, mas ele aproveitou para explicar a origem da palavra cálculo que a Matemática se apropriou. Cálculo vem do Latim, calcalus, cuja raiz é cálcio. Na antiguidade, se utilizava pedrinhas ou cálculos para ensinar as crianças a fazerem contas.
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Meu pai fumava um cigarro por dia, normalmente à noite depois do jantar. Nos fins de semana abria uma exceção e fumava também no almoço. Seu maço de Mistura Fina, considerado um quebra-peito ou fumo forte, durava até duas semanas. Mas um dia sentiu uma leve tontura depois de uma tragada e nunca mais fumou. Minha mãe fumava, mas às escondidas para não dar mau exemplo para os filhos. Mas depois que os filhos ficaram adultos, ficou livre do moralismo e passou a consumir um maço por dia.
A cultura do cigarro era tão forte que uma atividade da garotada na minha época, era colecionar as embalagens de cigarros em que as marcas mais comuns eram trocadas por outras mais difíceis. Continental, Hollywood, Lincoln, Mistura Fina eram marcas fáceis e desprezíveis e só iniciantes se davam ao trabalho de pegar uma na rua. Um Pulmann valia dois Hollywoods. Um “Mescla Dourado” tinha um bom valor de troca, pois era mais raro. Marcas estrangeiras então, nem se fala, quem tinha uma conseguia até vendê-las por uns trocados. Nas ruas ficávamos de olho nas embalagens jogadas pelo chão. Eu sempre ia comprar os cigarros para o meu pai e um dia resolvi comprar outra marca para ficar com a embalagem. Mas ele não gostou da ideia e mandou que eu fosse trocar. Que vexame!
Na minha infância todos os homens adultos fumavam. Quando havia visitas em casa, o que era muito comum, a fumaça embaçava a visão. Era normal fumar nos coletivos e no trabalho. Tive até uma professora que fumava durante as aulas. Na adolescência comecei a tentar fumar com um amigo vizinho que estudava no mesmo colégio, o Bogdan Warzocha, um polonês que me incentivou, sem muito sucesso, ao tabagismo. Em verdade eu raramente tragava. Me satisfazia em sugar a fumaça e soltá-la em seguida, pois tragar me deixava tonto. Mesmo assim comprava cigarros para posar de adulto nas festinhas ou com as paqueras.
Até então acreditava que fumar era mostra de virilidade e absolutamente normal para os homens e para as mulheres algo não muito recomendável, por isso não gostava que minha mãe fumasse. Entretanto, essa visão durou até que um novo amigo, o Tomás Padovani, um ex-seminarista e não fumante me mostrou um poema do Silva Jardim que criticava com veemência o hábito. Lembro-me vagamente do poema e um dos versos dizia: “Tabagista inveterado, tal como chaminé ambulante...”. O poema me impressionou e decidimos publicar no jornalzinho que editávamos no ginásio, o H...Zetinha, cujo nome foi ideia do Tomás. O jornalzinho durou apenas dois ou três números e foi proibido pela direção, apesar de nãos ter nenhum conteúdo político. De todo modo, nos sentimos como heróis por termos salvado muitos jovens de aderirem ao vício.
Mesmo assim, algumas vezes ainda usava o cigarro como muleta para disfarçar a timidez, mas ainda sem tragar, até que no meu primeiro emprego, ainda menor de idade, meu chefe me convenceu sobre os riscos do cigarro e abandonei o tabagismo desde então. Foi então que conheci a Celia, uma tabagista convicta. O amor superou essa barreira, mas estabelecemos alguns limites. Não era permitido fumar no quarto ou no carro. O vício dela durou até o dia que ela resolveu fazer aulas de dança e percebeu que não tinha folego. A professora perguntou se ela fumava e ao confirmar, lhe aconselhou a fumar menos ou parar. Bingo! Uma vitória contra o tabagismo.
Sempre pensei que largar o vício era algo fácil, bastando força de vontade, o que nem sempre as pessoas têm. Um amigo ex-fumante dizia que parar era moleza, pois ele já havia parado umas dez vezes. Numa ocasião, viajando com um grupo de amigos para Minas Gerais no meu carro, senti o problema do vício. Fomos fazer uma pescaria no Rio São Francisco e depois do asfalto a estrada era horrível e por isso levamos tudo o que precisávamos para não ter que voltar à cidade. Porém, dois tabagistas, Gideão Sanches e Geraldo Magela, esqueceram de comprar os cigarros e queriam voltar. Não concordei dadas as condições da estrada. Eles ficaram tão furiosos que para evitar problemas maiores emprestei, muito a contragosto, o meu carrinho quase zero.
Já sem condições de morar sozinha, minha mãe acabou indo para uma casa de repouso, mas continuou fumando. Toda semana eu lhe levava um pacote de cigarros, tipo longo com filtro. Onde já se viu alimentar o vício de uma velhinha! Diziam as pessoas. Mas seguia a orientação de um amigo médico, Dr. Jorge Moscardi, que recomendava “Deixe a velhinha fumar. Se parar ela vai ficar triste e vai viver menos”. No final ela parou porque percebeu que as enfermeiras surrupiavam os seus cigarros e declarou: “Não vou mais fumar e nem sustentar o vício dos outros”. Mas no fim, morreu de enfisema pulmonar em consequência do vício.
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Acho que um dia para as mulheres é pouco. Devia ter o ano internacional das mulheres, mas todos os anos, rs. Afinal, as mulheres são a maioria da população e são mães de todos os homens.
Sem as mulheres o que seria de nós homens? Elas são tão preciosas que muitos homens não suportam viver sem elas. Vicente Celestino, com seu vozeirão, cantava o Ébrio, uma canção que fala da tristeza de um homem abandonado e busca na bebida esquecer as suas mazelas. As mulheres abandonadas, e não são poucas, se levantam e tocam a vida, pois o leite das crianças não pode esperar a passagem das dores do amor ou do desamor.
Enfim, quase todas as canções falam das mulheres. Do perfume, da beleza, do sorriso, dos olhos, dos cabelos, da doçura... Desde os tempos medievais, quando os primeiros versos ou cantigas de amor foram registradas, elas são as protagonistas. São elas que deixam os homens sem rumo, sem eira e nem beira. O velho Machado de Assis dizia em um dos seus romances: “Ela me custou minha vida e vinte mil contos”. Por elas os homens vão à falência ou se enriquecem para fazer-lhes mesuras.
Os mitos da criação dos seres humanos nem sempre fazem justiça às mulheres. Para os hebreus, ela foi feita com uma costela do primeiro homem e ainda colocaram nela a culpa pelo pecado original. E assim, no mundo ocidental judaico cristão, as mulheres são símbolos do pecado, da traição e da luxúria. Uma eterna injustiça.
E aí que inventaram esse dia, não para homenageá-las, mas como forma de protesto contra os maus tratos, a violência, a exploração. O dia 8 de março é o símbolo da luta das mulheres por seus direitos, quando no início do século passado, as empregadas de uma tecelagem em New York se revoltaram por melhores salários e condições de trabalho. Chamaram a polícia e muitas morreram durante a repressão. Assim, esse dia, não é apenas para dar flores ou levá-las para um jantar à luz de velas. É também para lembrar que elas precisam ser valorizadas, respeitadas pelo que representam em nossa sociedade.
Infelizmente o Brasil é governado por um homem que não mostra nenhum respeito pelas mulheres do Brasil. Se faz alguma mesura hoje, é com olhos nas próximas eleições, pois elas representam mais de cinquenta por cento do eleitorado. Foi ele mesmo que foi contra o fornecimento de absorventes para as mulheres carentes e está assinando o decreto por motivos eleitoreiros e não por convicção.
E às vésperas da comemoração do Dia Internacional da Mulher, ainda tivemos um deputado canalha que foi até a Ucrânia, sob o pretexto de ajuda humanitária para depois fazer comentários cafajestes sobre as sofridas mulheres de um país invadido por um sanguinário ditador russo.
Enfim, vamos lembrar esse dia como um grito de guerra contra a violência, os maus tratos e o desrespeito a essas fabulosas criaturas, mães de todos os homens, símbolo maior da vida e do amor.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-5523385789307341352022-10-26T12:27:00.002-07:002022-10-26T12:27:05.901-07:00...TER CARRO VELHO ERA UMA AVENTURA
Ter um carro no passado era o sonho de todo mundo. Um possante era a sensação de andar pelas ruas com segurança sem medo de chuva ou de ser assaltado com o carro em movimento, sair e voltar a hora que quiser, sem depender de ônibus ou trem. Pegar uma estrada e se sentir o dono do mundo com o vento acariciando o rosto. Tudo isso sem contar com a possibilidade de namorar a garota mais cobiçada do bairro. Tive um colega que seu rival passou de carro e a sua namorada o largou no meio da rua. Uma tragédia. Ele bebeu formicida, mas por sorte foi socorrido a tempo. Tudo por culpa de um carro.
Nos fins dos anos 1950 e início de 1960 a moda entre os jovens de classe média era puxar carros estacionados nas ruas e dar uma voltinha. Quem fazia isso era o filho menor de idade do professor Sérgio Buarque de Holanda, um tal de Francisco. Mas a brincadeira acabou mal e ele e seu amigo foram pegos pela polícia. Como eram menores e com cara de filhinhos de “papai”, ficaram mofando na delegacia até a chegada dos responsáveis. Depois dessa, a brincadeira acabou.
Aos dezoito anos comprei o meu primeiro fusquinha 1967 com um empréstimo de minha mãe, mas ainda não havia tirado a CNH. Circulando por São Caetano o carro “morreu” ao lado de uma viatura policial. Não deu outra. Mandaram encostar o carro e pediram os documentos. Como o carro era meu, só ficou o problema da habilitação. Os policiais tinham uma ocorrência em outro local e me deixaram com um deles, um negro de quase dois metros que me convidou para tomar um café. É claro que o café era uma senha para uma propina, mas eu estava duro. Por coincidência, lembrei que o policial foi um colega de ginásio, cujo apelido era Lumumba, por causa de um líder africano famoso na época, o Patrick Lumumba. Como não tinha amizade com ele, nem adiantou lembrar que fomos colegas de classe no Barão do Rio Branco. O fusquinha bordô foi mesmo guinchado. Voltei para casa a pé e desesperado, pois achava que havia perdido o carro que ainda não estava pago. No dia seguinte meu pai ligou para um amigo e uma hora depois o carro estava em minha casa, mas a chave ficou escondida até que eu tirasse a CNH.
Muitos anos depois, já casado, comprei um Passat, lindo demais, uma raridade recomendada por um amigo e com ele fui até Lavinia visitar uns parentes. No caminho percebi que cai no conto do vigário. O carro bebia mais óleo do que gasolina. Em cada parada precisava completar o reservatório do cárter. O carro era lindo, mas ordinário. De Lavinia, demos uma esticada até Andradina, cidade quase nas barrancas do Rio Paraná, para visitar uns parentes. A noite saímos para um chope com as minhas primas Zamboni. Lá conhecemos um amigo delas que conhecia de memória todos os poemas do Cruz e Souza. Foi uma bela noite com bom papo e muita poesia. Na volta, de madrugada, o carro negou fogo e voltamos a pé olhando a lua que dançava no horizonte. No dia seguinte o Zídio Zamboni gentilmente me levou a um mecânico, seu amigo, que deixou o carro pronto para a volta. Mal chegando, despachei o Passat para outro ingênuo, mas avisei sobre o óleo.
Existem muitas histórias prosaicas sobre carros e principalmente carros velhos e pessoas da minha geração e de anteriores devem ter boas para contar. O amigo Jorge Moscardi, o mesmo do Karmanghia importado, encontrou num estacionamento em São Paulo, uma velha e rara Ferrari por uma bagatela. Como bom entendedor de carros, percebeu ali um tesouro e pediu para o homem reservar o carro que ia providenciar o dinheiro. Quando voltou com o dinheiro, o dono do estacionamento lamentou, mas apareceu outro interessado que ofereceu o dobro do preço e ele vendeu. Ele comentou que o comprador retirou o carro e disse que ia enviar para a Itália e já havia vendido a raridade por um milhão de dólares. Meu amigo e o vendedor ficaram com a sensação de ganhar na loteria e perder o comprovante de aposta.
Às vésperas do carro elétrico e possivelmente compartilhado com outros usuários, o carro já deixou de ser objeto de desejo, para se tornar um peso no orçamento, além do desconforto no trânsito, sem contar as multas traiçoeiras que nos deixam com a sensação de criminosos pegos em flagrante. Com a entrada de mais de vinte mil carros por mês nas ruas, só em São Paulo, tudo tende a piorar. Como não temos uma estação de Metrô a cada quinhentos metros como em Paris, vamos continuar dependendo dos carros para se locomover. O carro compartilhado será sem dúvida a grande mudança na mobilidade urbana no futuro. Vai funcionar como o Uber, mas dividido com outras pessoas. Basta localizar um veículo próximo e esperar. Como não teremos mais motoristas, não haverá mais possibilidades de multas e acidentes. E os carros particulares? Só serão usados para viagens e olha lá.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-3492888359921619862022-10-26T12:24:00.003-07:002023-05-12T15:26:04.131-07:00CALABAR, ELOGIO A TRAIÇÃO
“Calabar, elogio à traição”, é uma comédia histórica e musical de 1973 que não chegou a ser encenada na época, pois a censura da ditadura militar considerou que a obra era uma ameaça à ordem vigente, ou seja, uma ditadura não suporta livros, teatro ou música, pois considera o povo como crianças que podem ser influenciadas por ideias estranhas. O Putin faz o mesmo na Rússia, pois está censurando a imprensa, redes sociais, rádio e televisão, pois ele não quer que o povo saiba que o país está numa guerra absurda contra um país vizinho, destruindo escolas, hospitais, teatros, atingindo milhares de civis, incluindo mulheres e crianças.
Calabar foi escrita por Ruy Guerra com trilha musical de Chico Buarque. Ruy é um cineasta, dramaturgo e poeta português, nascido em Moçambique e radicado no Brasil. A temática de Calabar é a relatividade da traição. O personagem histórico, Domingos Fernandes Calabar (1600-1635), foi um usineiro que obteve fortuna fazendo contrabando e, também, um hábil militar na época das invasões holandesas no Nordeste. Calabar inicialmente luta ao lado dos portugueses, tendo conseguido várias vitórias nos combates contra os holandeses. Mas num determinado momento, não se sabe se foi por dinheiro, por estar cansado de ser subordinado aos oficiais portugueses ou porque via nos holandeses uma visão mais progressista em relação à colônia e bandeia-se para o lado dos invasores até a sua captura e execução como um traidor do Império português. O comandante holandês, Conde Maurício de Nassau, foi um aristocrata culto e humanista que investia nas artes, na educação e na urbanização das cidades. Sendo liberal, permitia a diversidade religiosa, o que possibilitou plena liberdade aos judeus estabelecidos. A invasão holandesa faz ainda hoje, com que muitos brasileiros pensem que se os holandeses tivessem vencido a guerra, o Brasil seria muito melhor do que sob o domínio português.
Como na história não existe SE, é uma conjectura falsa, transformada em mito, pois se assim fosse, hoje não seriamos um Brasil, mas dois ou três, sendo um Holandês, um português e mesmo um espanhol. A Companhia das Índias Ocidentais que financiou a ocupação de Pernambuco tinha como objetivo principal a exploração colonial tal qual as coroas portuguesa, inglesa ou espanhola. Se esse mito fosse verdadeiro, a antiga Guiana Holandesa seria uma potência, pois tem um território quase cinco vezes maior do que a Holanda.
A questão que se coloca na peça de Ruy Guerra e Chico Buarque, é se ele realmente era um traidor, pois sendo brasileiro, tanto portugueses como holandeses eram seus inimigos pois eram potências coloniais que impunham seu domínio à força, atendendo aos interesses das metrópoles europeias. Na história ainda havia outro detalhe: Portugal estava sob o domínio da Espanha na época. Portanto, além de Portugal e Holanda, a Espanha também reivindicava o domínio da região. Fazendo analogia com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, os russos que lutam contra os invasores, seriam traidores da Rússia por defender o território que adotaram como pátria? Ou mesmo os ucranianos capturados no campo de batalha seriam também traidores da “pátria mãe” Rússia, pois na visão de Putin, a Ucrânia não existe como nação, sendo uma parte da dela. Da mesma forma, Ruy Guerra se lutasse contra Portugal numa guerra de independência de Moçambique, seria um traidor de Portugal?
Enfim, a censura imposta pelos generais, privou os brasileiros de assistirem essa e muitas outras obras de arte ou quando liberavam, mutilavam textos que os censores consideravam impróprios por critérios subjetivos de cada um dos censores. Aliás, é bom lembrar que até um ex-jogador de futebol era censor no Rio de Janeiro. Tempos depois o texto foi liberado para publicação, assim como as canções, mas perdendo-se a contextualização da obra em seu momento histórico. No texto e nas letras das canções percebe-se a forte presença poética de Ruy Guerra, mas o mérito é quase sempre atribuído ao Chico Buarque, autor das belas melodias, como Cala a boca Bárbara, Fado tropical, Tatuagem entre outras.
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O romance “Agosto” de Rubens Fonseca se desenrola durante o mês de agosto de 1954, tendo como protagonista da ficção, um comissário de polícia rigoroso quanto a aplicação da lei e tendo como pano de fundo a crise política e institucional nos últimos dias do governo Getúlio Vargas. A história gira em torno um comissário de polícia do RJ com seus amores e seus conflitos de consciência na execução do seu trabalho num ambiente policial corrupto, com seus colegas envolvidos com propinas de bicheiros e outras maracutaias.
O autor vai narrando em paralelo, o drama histórico vivido por Getúlio Vargas e seus correligionários. Getúlio é atacado por todos os lados, tendo o jornalista Carlos Lacerda como seu arqui-inimigo. No ambiente político, a oposição ferrenha da UDN, um partido conservador de ultradireita que defende de forma explícita a necessidade da deposição do presidente por um golpe militar, acusando-o de tramar um golpe. Os militares, sempre presentes no cenário político desde a Proclamação da República, apoia esse movimento de forma discreta até o momento em que um atentado contra Lacerda, acaba fazendo como vítima o Major Vaz, que fazia segurança do jornalista. A partir daí, a Aeronáutica começa a pressionar abertamente pela renúncia de Getúlio, acusando-o de ser o mandante do atentado através de sua guarda pessoal.
A situação de Getúlio era irreversível, pois de fato o chefe de sua segurança pessoal, o tenente Gregório Fortunato, foi quem contratou o matador para executar o serviço à revelia do presidente, pois esse jamais teria ordenado tal ação, porque tinha consciência de que um atentado contra Lacerda cairia no seu colo de forma explosiva. Diante dos fatos historicamente comprovados, Getúlio tinha duas saídas: a renúncia ou a morte. Como sempre foi um homem poderoso e orgulhoso, não queria ficar na história como um covarde e assim, preferiu sair morto do palácio do Catete. Na época houve muita discussão sobre a sua morte e foi alimentada a narrativa de que foi assassinado, mas as suas condições políticas só poderiam levar a esse desfecho. Os seus opositores sabiam que mata-lo o transformaria em mártir, coisa que os golpistas de plantão também não queriam. Assim, o Getúlio deu cabo da vida por uma atitude calculada e se transformou mesmo em um mártir, resgatando o apoio popular que já estava perdendo pela campanha agressiva de Lacerda e da UDN, fato o que adiou o golpe militar por mais uma década. Além disso, deu sobrevida ao seu partido político, o PTB.
É muito interessante que a oposição ao governo Vargas, mesmo em minoria, conseguia fazer muito barulho, mobilizando jornais e dificultando a ações da maioria no congresso, diferentemente do que ocorre hoje, com a oposição praticamente inerte diante das ameaças golpistas de Bolsonaro apoiado por militares e setores da sociedade civil. A principal acusação ao Getúlio era que ele estava planejando um novo golpe para prolongar o seu mandato prestes a vencer. Pelas informações históricas, ele não tinha condições políticas e tampouco militares para sustentar uma ruptura institucional. O máximo que ele poderia almejar seria mesmo eleger o seu sucessor para protegê-lo de eventuais investidas da UDN.
A lição que o romance de Rubens Fonseca deixa é que ainda existem setores da sociedade civil que atuam como vivandeiras estimulando os militares para mais uma aventura golpista, pois não acreditam na democracia e nas liberdades por ela garantida. Esses são dominados pelo sentimento “medo a liberdade”, termo cunhado por Eric Fromm sobre os nazistas e seus apoiadores.
Os opositores de Vargas almejavam um governo forte, não limitado pelo judiciário ou congresso, tal qual os atuais apoiadores de Bolsonaro. O mais interessante é que em caso de uma ruptura institucional, o congresso, que hoje faz ouvidos de mercador para as ameaças do presidente, seria o segundo a ser fechado, sendo o primeiro o STF. E a partir do momento em que uma ditadura for instalada, nem mesmo Bolsonaro terá o seu poder garantido, pois uma vez posicionados como protagonistas políticos, os militares não se subordinarão a um tenente que foi considerado pelo general Geisel, um mau militar e um gestor público incompetente e irresponsável.
O romance de Rubens Fonseca é uma leitura interessante para entender como funciona a política no Brasil e também o seu intrincado sistema burocrático que abre espaços para a corrupção que parece que não tem fim.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-5268996693002455172022-10-26T12:19:00.003-07:002022-10-26T12:19:26.284-07:00FAZENDA SÃO VICENTE
Recebi uma fotografia da velha casa da Fazenda São Vicente, que uma prima, a Sandra Zambone, me enviou. Está desmilinguindo, o telhado está cedendo e, provavelmente, os ratos e insetos devem reinar por toda parte. Quantas histórias se passaram pelo interior da casa desde a sua construção há quase cem anos. Iniciou pela retirada das madeiras da floresta, ainda exuberante. Foram grandes perobas, imbuias, jequitibás e aroeiras. A aroeira, considerada como um pau-ferro, pois resiste ao tempo e até sob a água, foi usada como alicerce para a casa ficar acima do solo. As paredes de peroba e o assoalho de imbuia outras madeiras nobres resistem até hoje. Eram quatro quartos, uma sala e uma grande cozinha com fogão de lenha.
Nela passei uma longa temporada quando criança sob os cuidados da minha prima e madrinha. Lá convivi um pouco com meu avô, um homem de poucas palavras que passava horas lendo num banco ao lado da casa, lendo ou colocando os velhos olhos na invernada. As vezes ele me levava para um passeio pela fazenda ou até a roça para apanhar mamões. Ele me erguia ao alto e indicava os frutos maduros. Na volta caminhávamos em silêncio, vagarosamente sob o sol quente do noroeste paulista. Eu não dizia nada porque não sabia o que dizer e ele porque não tinha assunto com um pirralho de quatro anos. E assim, passávamos o tempo costurando silêncios entre um velho e uma criança que tentava acompanhar os passos das longas pernas do avô. Ele era um autodidata empobrecido que sabia latim e espanhol, que aprendera no século XIX quando era um bom vivant, filho de um fazendeiro escravocrata. Muitas das histórias do seu tempo eu soube por minha mãe.
Adolescente voltei para lá várias vezes, sempre em busca do tempo perdido como Proust. Aprendi a cavalgar e perdi o medo de cair, como eu tinha no tempo de criança e fazia longos passeios pela invernada ou saia a galope pela estrada. Passava quase todas as tardes com meu tio que me pedia que eu lesse a bíblia, pois seus olhos já estavam cansados. Às vezes tinha tédio naquelas tardes mornas, lendo as letras miúdas da Bíblia, mas ele era um bom homem e eu não conseguia negar-lhe esse prazer. Foi nessa casa velha que eu tive as minhas primeiras discussões com Deus, mas sempre em silêncio, principalmente depois de ler Samuel ou o Apocalipse. Meu tio um crente fundamentalista, acreditava no Armagedon, a grande batalha entre o bem e o mal que ocorreria no final dos tempos e todos os crentes salvos voltariam à Terra para o resgate do paraíso perdido. Ele tentava me convencer do seu credo, mas eu me perdia propositalmente entre a história real e os mitos religiosos. Meus livros de história estavam em desacordo com o seu livro sagrado e quando eu mencionava alguma discordância, ele ficava desconfortável. Falava-me muito sobre coisas do passado, sobre o tempo em que abriu a fazenda, comprada de um lendário italiano chamado Geremias Lunardelli, com quem trabalhou. Contava sobre os índios que encontrou pelos caminhos, quando a Estrada de Ferro Noroeste Paulista estava sendo construída. Lembrou-se uma vez de uma bela cunhataí, muito bonita, que encontrou no meio da floresta e que ficou muito assustada com sua presença. Parecia que descrevia a mulher indígena de uma antiga guarânia chamada “India”, cantada por uma dupla bem afinada dos anos 1950, chamada Cascatinha e Inhana. Quando jovem acompanhou as revoluções dos anos 1920 e narrava sobre as batalhas, que acompanhou pelos jornais e rádio da época.
Sempre que estava lá, gostava de dar uma expiada na cozinha e via pela memória de criança a dona Joaquina, uma velha portuguesa, baixinha e volumosa com seu avental a cuidar do almoço no fogão à lenha. Às vezes, saia a gritar pelo quintal para espantar as galinhas de Angola ou os miúdos que estavam por lá a brincar. Os miúdos poderiam ser eu e meus irmãos quando passávamos as férias por lá. Havia um grande fogão a lenha, onde um bule de café sempre aquecido. Ao lado, a despensa, onde ficavam os alimentos e um quarto onde eu dormia com meus primos mais velhos e o meu avô.
Uma vez eu lhe perguntei por que não construía uma casa de alvenaria como a da sua filha. Ele ria, dizendo que a casa estava ótima e para que gastar dinheiro numa nova casa no final da vida? A velha casa de madeira lhe trazia boas e más lembranças, como a morte prematura da mulher e as boas como os casamentos das filhas, as longas conversas na mesa de jantar ou os tempos pioneiros em que tudo era muito difícil e as distâncias deitavam cansaço nos olhos e nas pernas.
Hoje a fazenda está arrendada para plantadores de cana de açúcar e nada lembra os tempos em que meu tio ainda vivia. A grande fazenda foi fatiada entre os herdeiros e alguns ainda são proprietários, mas estão distantes de plantações e colheitas, preferindo a vida prática das cidades. Quem se lembrará da São Vicente dentro de poucos anos? Nem mesmo alguém para contar suas histórias estará vivo. A canção do Milton Nascimento com Fernando Brant menciona uma San Vicente com sabor de vidro e corte, onde a horas não contavam e o que era negro anoiteceu... mas é outro lugar, um paraíso imaginário do poeta.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-86819495114339681752022-10-26T12:00:00.005-07:002022-10-26T12:00:29.671-07:00A PALMATÓRIA
Em tempos de antanho, a palmatória era um recurso dos mais usados pelos mestres que acreditavam que a atenção, capricho e memória se resolvia com dezenas de pancadas nas palmas das mãos dos jovens estudantes. Meu pai contava que no tempo em que estudava as primeiras letras, os alunos ficavam numa roda e o professor (ou carrasco) ia fazendo a chamada oral sobre a tabuada ou conjugação dos verbos. Aquele que errava uma sequência, estendia as mãos para levar as batidas com a palmatória. O número dependia das vezes em que o aluno errava deixando as pobres mãozinhas vermelhas e inchadas.
E foi pensando nos seus tempos de criança, que meu pai resolveu retomar a antiga prática com seus filhos e fez uma palmatória para usá-la em caso de necessidade, pois acreditava que seria melhor do que bater nas crianças com a cruel cinta de couro ou palmadas no traseiro. Enquanto ele preparava o instrumento de tortura, fiquei observando e ingenuamente até ajudei a segurar a madeira enquanto ele cortava e lixava. Preparada a tal palmatória, fomos avisados de que seria usada em caso de brigas, desobediência, indisciplina ou notas baixas. Na primeira semana ficamos longe da palmatória, pois ninguém teve interesse em ver como a coisa funcionava. Mas as crianças acabam esquecendo dos sermões e lá fomos nós estrear a palmatória depois de uma briga com as crianças vizinhas. Foram dez batidas em cada uma das mãos. As mãos deviam ficar bem estendidas e não podiam ser tiradas sob pena de aumentar a dose do castigo.
As minhas mãos ficaram vermelhas e tão inchadas que no outro dia mal conseguia segurar o lápis na escola. Minha mãe protestou dizendo que era uma crueldade, mas meu pai prosseguiu firme na sua disposição em impor disciplina à moda antiga. Cuidando para evitar qualquer deslize, passamos um bom tempo sem que ele precisasse utilizar o instrumento. Ao mesmo tempo, depois de longa procura, conseguimos descobrir onde ficava escondida a palmatória e tratamos de escondê-la para que ele nunca mais a encontrasse. A única vez em que a procurou fizemos ouvidos de mercadores e ele achou que foi minha mãe quem a jogou fora para proteger as crianças. Ela negou dizendo que ele havia esquecido onde guardou e ficou tudo como dantes.
Anos depois, já livre dos castigos, li um conto do Machado de Assis, chamado a “Escola” em que o autor narra a história de um aluno que recebeu de um colega uma moeda para ensinar-lhe os verbos, pois temia a terrível palmatória no dia da chamada oral. Um colega traiçoeiro e invejoso, que viu a transação, contou ao professor e os dois foram castigados por um motivo que para nossos tempos, parece bastante absurdo.
Em tempos modernos, o fim das palmatórias nas salas de aula não livrou os alunos dos castigos físicos, que continuaram com os beliscões e tapas quando algum infeliz conversava com um colega ou ficava no mundo da lua durante alguma explicação. Eu mesmo tive uma mestra que usava um pesado ponteiro de madeira que espancava as mãos ou a cabeça das crianças e dependendo do caso, tirava um sapato e o arremessava em direção de algum aluno malcomportado.
Hoje com os direitos das crianças contados em prosa e verso, dificilmente um mestre ousaria tocar numa criança, pois corre o risco de perder o emprego ou mesmo ser processado por lesões corporais. Além disso, as modernas técnicas pedagógicas que foram sendo aos poucos introduzidas, sepultaram, talvez para sempre, o castigo físico das salas de aula, bem como passaram a questionar se decorar verbos ou tabuada teria alguma validade para o real aprendizado.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-76020727173170911392022-10-26T11:56:00.001-07:002022-10-26T11:56:05.678-07:00200 ANOS DE INDEPENDÊNCIA
Era sete de setembro de 1822, e o ´príncipe regente retornava de uma viagem a Santos e voltava por terra, subindo a Serra do Mar. Uma viagem difícil, pois estavam montados em mulas e burros, animais mais resistentes em caminhos precários como era na época, mas desconfortáveis. O trajeto foi possivelmente a atual estrada velha de Santos. No planalto, a comitiva do príncipe chegou ao que é hoje São Bernardo do Campo, pela Caminho do Mar chegando ao bairro Rudge Ramos até São Caetano do Sul, contornando o Ribeirão dos Meninos. Segue o grupo em direção ao atual bairro do Ipiranga, onde fizeram uma parada de descanso e para os animais beberem água no pequeno riacho que passava ao lado do atual Museu da Universidade de São Paulo.
O grupo desmonta, retira os arreios dos animais e, como era comum, para os cavaleiros fazerem as suas necessidades. Dom Pedro teve um desarranjo intestinal por conta de uma peixada na baixada Santista que não lhe caiu bem. Enquanto descansavam, chega um mensageiro da corte com uma carta endereçada ao príncipe. Lida a carta, conversa com os oficiais mais próximos e seu ajudante de ordens, Francisco Gomes da Silva, o popular Chalaça. As notícias não eram muito boas e seria preciso tomar uma decisão drástica naquele momento. Levanta-se e avisa a todos os presentes que não obedeceria às cortes portuguesas e que a partir daquele momento o Brasil poderia se considerar um país em território livre. Como era do seu estilo, deve ter proferido alguns palavrões bem ao gosto da época. A frase “independência ou morte” foi cunhada tempos depois para a criação do mito de origem da pátria.
Um mensageiro vai a frente para comunicar a decisão à autoridade de São Paulo, entre elas, o Coronel João de Castro Canto e Melo, pai da Domitila, futura amante do Imperador. Algumas horas depois o grupo chega a Pauliceia, onde foi recebido numa das grandes casas do vilarejo. E depois no pequeno teatro da vila, onde teve comemoração. Na mesma noite, Don Pedro conhece então a bela senhora Domitila com quem teve uma memorável noite de amor. Na época, Domitila já estava separada do seu marido, o Alferes Felipe Coelho Pinto de Mendonça, que fugiu para Minas Gerais depois de uma agressão à mulher por ciúmes, pois tudo indica que ela era bastante cortejada.
A viagem até o Rio de Janeiro levou uma semana, mas a corte já havia sido avisada da decisão do príncipe regente. Alea Jacta Est, como diria Júlio Cesar e a guerra de independência começou, pois houve resistência de forças portuguesas sediadas no Brasil. O maior palco de lutas foi na Provincia da Bahia. Em razão da superioridade das forças portuguesas na região, D. Pedro contrata oficiais mercenários franceses, como Labatut e Lecor, que haviam lutado ao lado de Napoleão e também ingleses como Cochrane, Grenfel, Hayden entre outros.
Consolidada militarmente, a independência precisava do reconhecimento internacional e para isso, a Imperatriz Leopoldina escreveu para vários países, incluindo a Áustria, onde reinava o seu pai. No final, Portugal reconhece a independência mediante o pagamento de uma indenização de 2 milhões de Libras Esterlinas, que foram emprestadas pela Inglaterra, o que colabora para o endividamento do país, por muitos anos.
O Brasil sai das amarras coloniais, depois da nossa vizinha Argentina, mas ao contrário dos demais países da América Latina, não como república, mas como uma monarquia hereditária com um Bragança. O regime monárquico escravocrata foi fundamental para a manutenção da unidade territorial, num acordo político entre o império as elites regionais. José Bonifácio era por princípio contrário à escravidão e nem mesmo D. Pedro compactuava com o sistema, mas por uma questão de sobrevivência política, foi mantida ainda por mais 67 anos. Como o sistema monárquico e a escravidão estavam ligados a um mesmo cordão umbilical, isso explica por que um ano e meio depois, proclamamos a república. Sem a monarquia escravista, o país estaria dividido em três ou quatro repúblicas.
Depois de 200 anos, um presidente eleito defende abertamente a volta da ditadura militar, flerta com regimes autoritários de extrema direita e prevendo uma possível derrota nas urnas, deprecia o sistema eleitoral que o elegeu presidente e como deputado por vária vezes. É um militar da baixa oficialidade, mas é apoiado pela caserna onde muitos ainda não se conformaram com a restauração democrática. Os 200 anos poderiam indicar maturidade da nação e do sistema democrático, mas até a entrega do poder, caso perca a reeleição, não dormiremos em paz.
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Fui ontem ao teatro depois de alguns anos na companhia da Celia e do velho amigo Claudio Antonio Campana, um ator que abandonou a carreira por problemas de saúde. Fomos assistir a peça Papa Highirte de Oduvaldo Vianna Filho. No papel principal o experiente ator Zecarlos Machado, amigo que não víamos há mais de 40 anos. A peça foi premiada nos anos 1970, mas não foi encenada por motivos óbvios, pois a temática é sobre ditadores e ditaduras militares.
Papa Highirte é um ditador exilado em um país imaginário e quer retornar ao poder em uma nação que se assemelha ao Haiti. O poder foi tomado por um adversário que controla o país. Papa tem o apoio aparente de alguns chefes militares, mas que podem traí-lo.
A peça mostra que os ditadores são solitários e não podem confiar em ninguém, nem mesmo na família. Ele fica entre os militares, a burguesia nacional aliada ao capitalismo internacional e os movimentos populares. Ele se julga um bom ditador, justo e humano, mas as torturas e assassinatos estão em toda parte no seu país.
A interpretação do Zécarlos Machado é ótima como o ditador, mas o mesmo não acontece com o líder revolucionário Arrabal, que não coloca emoção em suas falas. Os demais não comprometem o resultado. No final, um morcego sobrevoa o palco, mas só assusta um dos atores e quase ninguém percebe.
Zécarlos Machado comentou no camarim que a peça foi escolhida pelo momento em que estamos vivendo, com um presidente com pretensões golpistas e admirador dos velhos generais de extrema direita mantiveram uma ditadura de vinte anos no país.
Zécarlos não e mais o jovem estudante de teatro que conhecemos na Fundaão das Artes de São Caetano e do Grupo Passárgada, mas continua o mesmo boa gente de sempre, mesmo com o sucesso que tem alcançado em trabalhos como a série Terapia, filmes como Elis Regina no papel do pai dela, várias novelas e minisséries pela Globo e outros.
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Hoje completa 58 anos do Golpe Militar de 1964 e ainda se discute se foi golpe ou foi um “movimento”. Palavras... Na Ciência Política golpe é quando ocorre a derrubada pela força de um governante constitucional, ou seja, foi eleito por voto direto ou indireto de acordo com as regras estabelecidas na carta magna de um país. Golpe é um termo considerado pesado e os militares não gostavam e ainda não gostam e preferiam Revolução e hoje Movimento.
A bem da verdade o golpe foi o resultado de um complô entre políticos conservadores, empresários, parte da igreja católica e militares. Mas depois de assumirem o poder, os militares chegaram à conclusão que eles governariam melhor o país do que os civis e lá se foram vinte anos com o país sob o domínio dos coturnos. Era uma ditadura envergonhada que fazia eleições para “inglês ver”. Escolhiam os presidentes nos quartéis e depois mandavam os congressistas votarem neles. A diferença das outras ditaduras é que não havia continuísmo. A cada quatro anos escolhiam um novo general. Por outro lado, era uma ditadura igual as outras, pois censurava a imprensa, músicas, teatro, livros e cinema. Cassava o mandato dos políticos que discordavam, prendiam, torturavam e até matavam artistas, líderes sindicais, jornalistas, professores e intelectuais, que faziam oposição ao governo.
Lembro-me muito bem dos acontecimentos de 1964. O presidente João Goulart, assumiu o governo para substituir Jânio Quadros que renunciou. Na época o vice-presidente era eleito separadamente e não numa chapa como é hoje. No dia do Golpe, meu pai estava preocupado com os acontecimentos políticos e como era um menino curioso já me interessava por política, fiz a ele várias perguntas que não conseguiu me responder. Foi então que ele me pegou pelo braço e fomos conversar com um amigo político que morava num bairro próximo. Seu Manoel, um vereador que oscilava entre uma postura conservadora e progressista. Foi uma longa conversa que fiquei ouvindo calado, pois criança não podia entrar em conversa dos adultos. Ele também não sabia o que iria acontecer, mas tinha algumas pistas. Jango não voltaria mais para Brasília, pois ainda em solo brasileiro o cargo de presidente foi considerado vago, abrindo as portas para um general assumir o governo. Pensava-se que seria por pouco tempo, apenas o suficiente para tirar os “comunistas” do poder e em seguida seriam convocadas novas eleições. As eleições nunca vieram e a democracia brasileira viveu uma longa noite em trevas.
Antes do Golpe, ouvia várias conversas em casa, nos ônibus, no armazém ou na padaria e uma delas me lembro muito bem. Um senhor bem-falante dizia que se ocorresse uma revolução, " o Jango não ficaria no poder, pois era um latifundiário, não um socialista, mas um burguês. Ele seria o primeiro a espirrar, assumindo o comando do país um comitê revolucionário". Em geral o Jango era querido pelo povão como um todo, pois seu discurso populista, ia ao encontro das necessidades dos mais pobres. As chamadas Reformas de Base assustavam muita gente. Meus parentes fazendeiros do interior estavam preocupados, pois os lavradores já falavam em reforma agrária, em divisão dos latifúndios, coisa e tal.
O termo mais utilizado na época e durante muito tempo era a Revolução Redentora, que havia salvo o país do comunismo. Meu pai mesmo apoiando o Jango, não era comunista e tinha horror de ouvir falar nisso. Ele votou no Jango para vice-presidente, mas não no Jânio porque o detestava e o considerava falso e mentiroso. Ele tinha uma visão bem negativa do comunismo, pois nosso vizinho russo contava para ele as atrocidades dos comunas quando tomaram o poder sob o governo do Stalin. Ele e sua família conseguiram fugir caminhando durante dias até a fronteira passando fome e frio.
Após quase vinte anos os militares entregaram o poder aos civis, mas cuidadosamente, para evitar retaliações. Antes fizeram uma anistia ampla, geral e irrestrita, para que todos fossem perdoados. Com uma hiperinflação e uma dívida externa impagável, deixaram a batata quente com os civis e o Brasil entrou em moratória.
Hoje temos um presidente eleito pela maioria da população, que defende explicitamente a ditadura militar e as medidas de exceção, enquanto um governador em seu discurso para a renúncia do cargo para se candidatar a presidente, lembrou da ditadura militar que obrigou seu pai a se exilar na França com a familia, quando ele era um menino de 7 anos.
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Lygia foi eleita imortal da Academia Brasileira de Letras, mas continuou com o direito de morrer, pois como dizia um velho amigo falecido, a vida eterna é numa coisa sem graça. Há um momento em que é preciso descansar do corpo velho e repleto de dores aqui e acolá. A memória já não funciona direito e os dentes já não conseguem estraçalhar uma picanha ao ponto com a mesma força e prazer dos tempos de antanho. A imortalidade da Lygia é outra. A imortalidade é da sua obra que sempre será lembrada, lida e relida enquanto durar esse velho e maltratado planeta do sistema solar.
Encontrei a Lygia duas vezes, a primeira numa palestra na faculdade. Ela era ainda uma jovem e bela mulher e eu na flor da idade. Consegui a duras penas apertar sua mão e parabenizá-la pelas belas palavras, num tempo difícil em que até para os poetas e escritores havia agentes da ditadura a espreita. Às vezes para o palestrante e outras para identificar no público aqueles que fazem perguntas incomodas para os donos do poder. Muitos anos depois estava hospedado numa pousada na pequena e bucólica Casemiro de Abreu, nome em homenagem poeta lá nascido e falecido muito jovem, soube que ela estava por lá. Quem nos avisou foi o amigo e gerente, o Fiico, muito parecido com o Martinho da Vila, ele também é um simpático e talentoso violinista. E nas idas e vindas da praia, a encontramos com uma amiga. Disse seu nome em voz pouco discreta e ela se assustou. Surpreendida por pensar que era uma hóspede anônima, abriu seu largo e simpático sorriso para nos cumprimentar. Procurei a câmera fotográfica, mas havia esquecido no quarto e não pude registrar o momento. Procurei depois numa livraria do lugarejo, mas não encontrei nenhum livro dela para pedir-lhe um autógrafo, enquanto ela estivesse na pousada. Nos encontramos outras vezes em cafés, restaurantes e no refeitório da pousada, sempre simpática e agradável, mas não quis incomodá-la.
Soube hoje que ela partiu, imortalizada pela academia e pela sua obra, deixa a vida para continuá-la na história. Formada em direito nas Arcadas da São Francisco, cedo preferiu a poesia, os contos e romances, produzindo belas páginas da nossa literatura. Deixou seus gatos que adorava e fazia-lhe companhia. Dizia que preferia os gatos aos cães, pois eles são mais independentes e não precisam muito da gente.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-89525758355401143122022-04-08T14:36:00.003-07:002022-04-08T14:36:20.575-07:00As mulheres do século XXI
Resolvi rever o filme de Mike Mills de 2017. A história se passa nos anos 1970, com uma mulher liberal, madura, divorciada, tabagista e com um filho adolescente. Uma jovem fotografa punk aluga um dos quartos da casa e o filho tem uma amiga de infância que sorrateiramente dorme no quarto dele, mas sem nenhum envolvimento sexual, apenas para conversar. É uma história comum, sem grandes sobressaltos. As emoções que acontecem, são as mesmas do cotidiano das pessoas como a gente, um carro que pega fogo sozinho, as turbulências de um adolescente com os seus hormônios, os problemas das amigas, as baladas, as doenças, enfim...
A trilha sonora, com “As time goes by”, provoca em mim um pouco de saudade. Vem aquela melancolia pela falta dos pais, dos irmãos, de amigos... Casablanca é um filme tão velho e foi realizado bem antes do meu nascimento, mas foi assistindo tantas e tantas vezes que parece que eu estava presente no dia do lançamento ou que vivia o momento de guerra. A relação do adolescente com a mãe, no filme, fatalmente leva a gente a lembrar delas, principalmente se já não estão mais presentes. Uma cena que me sensibilizou foi quando ele a pede para ensiná-lo a dançar. O menino todo desengonçado, vai sendo guiado pela mãe ao som de uma canção qualquer. Vendo isso, percorro os labirintos da memória e recordo que nunca aprendi dançar, ou melhor, nunca tive coragem de dançar com as meninas do bairro, mesmo lendo um livrinho “Como aprender a dançar sem sair de casa”. Ia aos bailinhos do bairro e ficava só admirando os casais deslizando ao som dos discos da orquestra do Ray Conniff, que eram infalíveis naqueles tempos. De vez em quando um rock, um twist ou samba canção.
Meus pais eram pés de valsa e cheguei a vê-los dançarem quando algum vizinho recebia os amigos para um arrasta pé. Mas com a chegada da televisão, as famílias se recolheram mais e mais e nunca mais teve dança de adultos no bairro. Quantas vezes pensei em pedir a minha mãe que me ensinasse a dançar, mas nunca tive coragem. Tenho certeza de que ela me ensinaria com o maior prazer, mas sentia nisso um certo desrespeito ou uma intimidade não desejável entre mãe e filho. Bobagem de um adolescente suburbano, que tinha uma mãe que fumava, que dirigia seu próprio carro e tinha opiniões políticas. A cena do filme em que ela ensina o filho a dançar, me deu vontade de voltar no tempo e ter aprendido boleros, valsas, sambas-canção, baladas ou até um tango. Como teria sido bom ter aspirado o perfume barato das meninas do bairro deslizando pelos salões! Al Pacino em “Perfume de Mulher”, tem uma cena inesquecível quando dança um tango ante os olhares atônitos, diante das habilidades de dançarino de um cego.
Mas voltemos ao filme Mulheres do Século XX, com a fabulosa Annette Bening, uma atriz madura, mas cheia de vida interior, esbanjando com charme a beleza dos anos de madureza. O filme não provoca sobressaltos ou ansiedade. As pessoas se relacionam, brigam, se amam, se divertem, discutem e morrem. As questões feministas afloram na mesa de jantar como o momento em que uma das personagens ousa falar abertamente sobre sua menstruação, um assunto proibido pela na presença de homens nos anos 1970. Quem não se lembra da propaganda do Modess, um absorvente feminino? Quando menino eu olhava as revistas das minhas irmãs e não entendia nada sobre o significado de “Aqueles dias”. Um segredo imperscrutável. Hoje a discussão sobre a pobreza menstrual ganhou as ruas e as redes sociais, forçando o governo avesso a esses problemas, aprovar o fornecimento para as jovens carentes.
Enfim, o mundo mudou e não sei se foi para pior ou para melhor. As mulheres também mudaram e muito. São mais ousadas, perderam o medo de dizer não. Mas a violência contra elas só aumentou, pois os machistas feminicidas não suportam serem contrariados.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-11219571092910769362022-02-18T11:54:00.001-08:002022-02-18T11:54:11.011-08:00O AMORES DE SHAKESPEARE E MARIANE MATTOSO
A proposta inicial era um espetáculo para comemorar os 400 anos de Willian Shakespeare, mas faltaram tempo e recursos. Trazer a obra do genial inglês para o Brasil não era uma tarefa fácil, mas a compositora e cantora Mariane Mattoso encarou o desafio e foi buscar nos sonetos do bardo a inspiração para dez canções bem brasileiras, como valsinhas, marcha-rancho, samba, samba canção, ciranda e até um bolero abrasileirado.
Mas os versos de amor de Shakespeare reservaram uma surpresa, pois o poeta escreveu belos versos de homens apaixonados não apenas para mulheres, mas também para um homem em especial, um jovem e rico nobre que era também o seu mecenas que financiava as produções de suas peças. A bissexualidade do bardo já era comentada nos bastidores dos círculos literários, mas nunca de forma explícita. As velhas traduções dos versos sempre procuraram esconder que os versos eram destinados a um homem ou homens.
A partir dessa descoberta, surgiu a ideia de encenar a história em que aparecia uma misteriosa Dama Negra, bela e, também, poeta que começou a atrair as atenções na Londres renascentista, incluindo o próprio Shakespeare e o nobre mecenas. O tempo passou e da ideia original de uma peça, ficou o show em parceria com ator e cantor Caio Merseguel.
As belas melodias preenchidas pelos versos vertidos, são a tônica do espetáculo. É a língua de Shakespeare roçando a língua de Camões. Enfim, dois poetas quase contemporâneos se encontrando numa terra que queria ser lusitana e não se tornou um imenso Portugal, mas uma latino-américa num grande tacho indígena, com temperos africanos, mas com receitas lusitanas. Hoje, mais misturada ainda com outros europeus, japoneses e tantos outros.
Enfim, Shakespeare ficaria feliz com esse amálgama, ainda mais ele que nunca pensou em viajar para fora da ilha. Nem mesmo na cidade italiana de Verona ele foi, pois lá teria sido o palco seu drama de maior sucesso, Romeu e Julieta, onde se misturam história e ficção, com dois jovens apaixonados morrendo por amor ou de amor.
E a bela voz de Mariane Mattoso, acompanhada em dueto por Caio Merseguel, em canções entremeadas por textos shakespearianos, mostram que o amor pode ser mais plural do que pensa nossa vã filosofia. No show, a dupla também expressa a repulsa contra o racismo, a homofobia, xenofobia e a intolerância. Afinal, o amor não tem barreiras nem fronteiras.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7271799568597617250.post-14315139850682415842022-02-16T10:07:00.005-08:002022-02-16T10:07:45.808-08:00O QUE PENSARIAM DE NÓS OS EXTRATERRESTRES
O curta metragem Ilha das Flores, que muita gente deve ter assistido nas aulas sobre meio ambiente, é uma fina ironia sobre um visitante extraterrestre (não explícito) e suas observações sobre os seres humanos, sua economia, seus hábitos de consumo, desigualdade social e outras mazelas. Para começar o ser humano é analisado pelo olhar crítico de um possível cientista extraterreno como um mamífero que se diferencia dos demais por ter o polegar opositor e um encéfalo mais desenvolvido, que obviamente se tornou a espécie dominante no planeta.
O curta revela sobre nós em apenas quinze minutos, muito mais do que as enciclopédias, as aulas de sociologia, economia, história etc. O filme é cirúrgico e fugiu bastante da primeira proposta que seria sobre a questão ambiental, focando em um lugar chamado de Ilha das Flores, que de flores não tem nada, mas apenas criação de porcos alimentados por restos de alimentos coletados em centros de distribuição. Na mesma ilha, seres humanos disputam depois dos suínos, os alimentos que sobram. O filme emociona pela crueza com que mostra os problemas sociais do nosso país, que sem dúvida alguma estão muito mais graves do que na época em que foi feito nos anos 1990.
O físico astronômico Carl Sagan que se tornou bastante conhecido pelos livros publicados e por um programa de televisão onde explanava de forma muito didática sobre o nosso universo era um cético quanto a existência de seres vivos inteligentes pelo universo afora. Por outro lado, Sagan não descartava a probabilidade de tal ocorrência. O que ele colocava em dúvida e com argumentos bastante convincentes, eram as paranoias sobre visitantes pilotando discos voadores em vários recantos da Terra. Ele prova que se por acaso existisse vida inteligente em nossa galáxia, estaria tão distante que seria praticamente impossível tais viagens. E ainda afirmava que talvez a vida, nas condições em que ocorreu na Terra, pode ser tão rara no universo que deveríamos tratar os mais minúsculos seres vivos com o maior respeito. Essa faz lembrar o líder pacifista indiano Mahatma Ghandi, que ao ver uma formiga subindo no seu pé, a tirava com toda delicadeza, colocando-a em outro caminho, dizendo: Deixe-a viver.
Sagan relata em seu livro mais popular, “O mundo assombrado pelos demônios”, que as visitas de Ets somente surgiram entre nós depois de uma transmissão pelo rádio pelo ator Orson Welles da Guerra dos Mundos em 1938, ficção sobre a invasão da Terra por marcianos. A representação parecia tão real que causou pânico nos EUA, que precisou ter um desmentido oficial. Sagan demonstra que só depois disso, é que começaram a surgir histórias de discos voadores, abduções de terráqueos e outras paranoias. Até então, eram comuns os relatos de eventos sobrenaturais, milagres repentinos etc.
Mas, considerando uma hipótese improvável que essas visitas fossem verossímeis, o que pensariam nossos “irmãos” da Via Láctea sobre a forma como ocupamos e exploramos o ainda belo planeta azul? Provavelmente chegariam à conclusão de que somos os seres mais irracionais do universo, que exploram a Terra para transformar florestas em lenha para alimentar fornos de siderúrgicas. Que produzimos uma infinidade de coisas descartáveis e as jogamos nos rios e mares. Que produzimos milhões de veículos que gastam uma quantidade absurda de energia apenas para transportar um indivíduo e poluir o ar. É melhor parar por aqui porque a lista das insanidades humanas é bem maior do que pensa nossa vã filosofia.
Renato Ladeia Françahttp://www.blogger.com/profile/16378573667420652534noreply@blogger.com0